Pandemia e meio ambiente



Por Cléber Sérgio de Seixas

Todos os seres humanos têm, na atualidade, um inimigo comum de escala nanométrica que segue mudando hábitos, extinguindo alguns e criando outros. Costumes arraigados foram, de repente, postos em xeque. Qual a dimensão e profundidade das mudanças postas em marcha pelo espraiamento do novo coronavírus, é cedo arriscar. A certeza que se tem é que o mundo não será mais o mesmo.

O isolamento social decorrente da pandemia da Covid-19 tem tirado milhões de cidadãos do convívio com seus pares. Súbito, familiares não podem mais se abraçar ou beijar, banhistas evitam praias, incursões gastronômicas em estabelecimentos comerciais do gênero são desestimuladas, shopping centers entram em processo de desertificação. As interações sociais encolhem. Aproximar-se de outros se torna possibilidade de contágio. Já não nos damos as mãos; cumprimentamo-nos pelos cotovelos. Abraços, afagos e beijos são, agora, à distância. Os que dispoem de meios, encurtam a distância imposta e interagem com aqueles a quem prezam via processos telemáticos. 

Parques, praças, shopping centers e restaurantes ficaram vazios ou com menos pessoas. Em algumas metrópoles, outrora ruidosas pelo ronco dos automotores, pelo falatório dos transeuntes, é hoje possível ouvir o som do vento na copa das árvores. Num cenário que remete à mais distópica das ficções, o mundo soa desabitado. A realidade tem superado a ficção e, no porvir, veremos a arte imitando a vida com o pulular de películas cinematográficas alusivas à hecatombe provocada por um vírus que usa “coroa”.

Com uma quantidade menor de carros transitando, menos pessoas circulando, menos lixo nas ruas, a natureza agredeceu e vicejou. Há muito não se viam os canais de Veneza tão cristalinos. Praias em litorais por todo o globo, outrora sujas pelos fervilhar de banhistas, estão limpas como há muito não se via. Recentemente, monitoramentos da NASA constataram reduções nos níveis de gases do efeito estufa, dentre eles o dióxido de nitrogênio, resíduo de motores de combustão interna. 

No entanto, a quantidade de lixo hospitalar aumentou na proporção das internações. A reclusão das pessoas em suas casas elevou o consumo de eletricidade e de gás naqueles países que o utilizam para aquecimento. 

É pacífico na comunidade científica que pandemias como a que hora se desenrola decorrem de cenários de desequilíbrio ambiental. Certos patógenos que convivem com as espécies que lhes servem de hospedeiras sem causar efeitos nocivos, são mortais quando em contato com seres humanos. E tal contato, na maior parte das vezes, se dá pelo avanço sobre áreas selvagens, ocasionando a destruição de ecossistemas naturais. É oportuno lembrar que a tragédia da AIDS derivou da interação de seres humanos com uma espécie de macaco africano, tal como o Ebola pode ter infectado o paciente zero através de uma espécie de morcego ou primata. No caso do novo coronavírus, o transmissor também foi um morcego ou, como se especula, um mamífero em extinção chamado pangolim.

Com a pandemia, reflexões acerca da relação homem-meio ambiente nunca estiveram tão em voga. Resta saber que lições a humanidade tirará dos trágicos eventos relacionados à COVID-19. Que tipo de ser humano emergirá do pós-pandemia? Haverá mudanças nos paradigmas de produção e consumo?

Realmente, como diria Caetano, alguma coisa está fora da ordem. Se alguma coisa não for mudada, as espécies que habitam este pequeno asteróide chamado Terra estarão, mais que outrora, ameaçadas. Nunca é tarde para perguntar quantos planetas seriam necessários se cada cidadão tivesse o mesmo nível de consumo de um estadunidense de classe média. Rimar desenvolvimento com sustentabilidade não é das tarefas mais fáceis. Para tal, são prementes mudanças radicais nos padrões de desenvolvimento. E tais mudanças não serão possíveis se não forem questionados os fundamentos objetivos e subjetivos sobre os quais se baseia o consumo nos moldes capitalistas atuais. A nível de Brasil, por exemplo, é imperioso intensificar os debates sobre os papéis da agricultura familiar e do agronegócio; trazer novamente à discussão a necessidade de uma reforma agrária; combater de forma mais incisiva o desmatamento da Amazônia, a destruição do Cerrado e das áreas remanescentes de Mata Atlântica. 

Et orbi, urge difundir, esclarecer e popularizar os conceitos de obsolescência programada e perceptiva. É hora de subverter a relação sujeito-objeto, conferindo ao primeiro maior importância. É tempo de “ser” voltar a ter precedência sobre “ter”, de homens de bem serem mais valorizados que homens de bens, de cidadãos serem mais importantes que consumidores. 

No esteio da descoberta de uma vacina, a pandemia passará, e com ela o isolamento social. A humanidade voltará à sua normalidade - se é que se pode chamar de normalidade o que predominava antes da difusão massiva do coronavírus. Arriscar qual será o viés sócio-político-econômico do mundo pós-pandêmico é chafurdar na futurologia. Grandes tragédias que assolam a humanidade costumam deixar legados positivos. Não sabemos, no entanto, se lições serão apreendidas. 

Como alerta, é oportuno parafrasear o chefe índio Seattle em carta de 1855 ao presidente estadunidense Franklin Pierce: “O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não teceu a trama da vida; ele é meramente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido fará a si mesmo”. Portanto, alegoricamente, pode-se recorrer à física newtoniana para concluir que a cada ação do homem que provoque desequilíbrios ambientais, corresponderão reações contrárias que podem vir de encontro à nossa subsistência enquanto espécie.


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