Grazie, Morricone!



Por Cléber Sérgio de Seixas

Nada como uma boa trilha sonora a emoldurar uma película cinematográfica. Desde as primeiras produções do cinema mudo, quando orquestras executavam arranjos musicais que variavam conforme as cenas, imagens e música sempre caminharam de mãos dadas. Tal é a importância da música no cinema, que muitas vezes nos lembramos mais da canção original ou da trilha sonora que do filme em si. Poucos souberam casar imagens com música no universo da sétima arte como o maestro Ennio Morricone, que deixou-nos hoje aos 91 anos. 

Dono de um estilo que ia do experimental ao clássico, Morricone adentrou o mundo da música já na infância, influenciado pelo pai. Sua carreira foi prolífica desde o início. Não cabe aqui uma revisão de toda sua obra, até porque este que escreve não é nenhum especialista no assunto. Na condição de fã, o que posso salientar é minha experiência pessoal. Desde a infância chamou-me a atenção musicas de filmes western que meu pai chamava de “músicas de bangue-bangue”. Ele tinha (tem) uma vasta coleção de discos de vinil de trilhas sonoras de filmes cujo gênero foi jocosamente apelidado de “spaghetti western”. Até hoje meu pai é fã do gênero e vive afirmando que os melhores “bangue-bangues” são os italianos, principalmente pelas músicas. 

Meu genitor não está de todo errado. A maioria dos críticos de cinema apontam que o gênero western foi reestilizado por um italiano chamado Sergio Leone.  Parceiro de longa data de Ennio Morricone, Leone tornou-se notório em Hollywood com aquela que é por muitos chamada de A Trilogia dos Dólares: Por um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens em Conflito (1966). Este último filme tem aquela que é considerada uma das mais perfeitas trilhas sonoras de todos os tempos. Não darei aqui nenhum spoiler, mas os minutos finais do filme são um estado da arte, com a perfeita sintonia entre os close-ups nos rostos de Clint Eastwood, Eli Wallach e Lee Van Cleef e a composição The Trio. Outra música do filme, Ecstasy of Gold, de tão icônica, é utilizada há décadas pelo grupo Mettalica na abertura de seus shows. Outro destaque da parceria com Leone fica por conta da trilha sonora de Era uma Vez no Oeste (1968), produção que, com Três Homens em Conflito, disputa o título de melhor filme do gênero.

É difícil concluir se Leone alavancou a carreira de Morricone ou vice-versa. O fato é que a parceria dos dois romanos perduraria até o último filme dirigido por Leone: o épico Era uma Vez na América (1984). Mas a trajetória do maestro italiano não se resumiria à parceria com o conterrâneo. Suas magníficas composições dariam cor a uma centena de filmes, em parceria com diretores que iam de Giuseppe Tornatore a John Carpenter, passando por Brian de Palma, Roland Joffé e Quentin Tarantino. Este último, fã dos westerns de Leone e admirador da música de Morricone, encarregou o maestro italiano de compor a trilha de Os Oito Odiados (2015). O trabalho renderia a Morricone o prêmio de melhor trilha sonora – premiação tardia para quem estava há tanto tempo na estrada. Era seu segundo Oscar: recebera uma premiação honorária da Academia de Artes Cinematográficas de Hollywood, em 2007, pelo conjunto da obra. Na ocasião, seu discurso de agradecimento na língua natal foi traduzido por Clint Eastwood. Aliás, uma das maiores injustiças da história de Hollywood foi a não premiação de Morricone pelas composições do longa A Missão (1986), considerada por muitos críticos a melhor trilha sonora do cinema. 

O talento e originalidade de Morricone estão indelevelmente grafados na história da música e do cinema. Assim, seu passamento não apagará o brilho de suas composições. Grazie, maestro!