Do Choque de Gestão ao mar de lama

foto: / AFP / ANDRESSA ANHOLETE

Por Cléber Sérgio de Seixas

Desde sua derrota nas eleições presidenciais de 2014, Aécio Neves assumiu a linha de frente da oposição ao governo Dilma, figurando como destaque no impeachment da presidenta. O senador atualmente afastado, sempre afeito a apedrejar os telhados de políticos petistas, percebe agora que as telhas que formam sua cobertura são de vidro. 

Suspeito de receber propina da JBS, Aécio foi flagrado em grampos autorizados pela justiça. No mais recente áudio divulgado, dialoga com Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e pede ao ministro que converse com o deputado Flexa Ribeiro (PSDB), supostamente para que Mendes convença o deputado tucano a votar a favor da lei de abuso de autoridade, cuja aprovação ajudaria a por um freio nas investigações da Operação Lava Jato que investigam vários políticos.

Nesse momento em que áudios demolem a carreira do senador mineiro e jogam uma pá de cal sobre seu futuro político, é interessante lembrar seu passado recente à frente do Executivo de Minas Gerais. 

A partir de sua ascensão ao governo de Minas, em 2003, uma das primeiras medidas de Aécio Neves foi implantar um modelo de gerenciamento cuja finalidade precípua, porém inconfessa, era transformar o Estado num aparelho público diretamente a serviço da reprodução do capital, uma espécie de mestre de cerimônias facilitador de negócios privados. A eficiência de tal política foi cantada em verso e prosa pelos maiores órgãos de imprensa de Minas Gerais, bem como outros aspectos da gestão tucana.  A Aécio e seu staff só cabiam elogios. Aos críticos do governo restava o risco de retaliações. Esse cenário de perseguições se justificaria pelas pretensões do neto de Tancredo ao Planalto.

Passado o longo período em que Aécio e seu sucessor, Antônio Anastasia, estiveram à frente do Executivo mineiro, algumas considerações acerca dos métodos tucanos de gestão são prementes.

A competência de um gestor, seja qual for a esfera em que atue, pública ou privada, pode ser aferida pela situação em que deixou as finanças da organização que comandava após o término de sua gestão. Assumir uma organização deficitária e torná-la superavitária presume um bom gerenciamento. Dito de outra forma, finanças em desordem e uma organização endividada são sinônimos de má gestão.

O atual cenário de caos financeiro do Estado de Minas Gerais é tributário dos anos em que políticos do PSDB administraram Minas Gerais. Logo que iniciou seu mandato, Pimentel diagnosticou um déficit orçamentário de R$ 7 bilhões e 200 milhões de reais. Tal situação não coaduna com o assim chamado “déficit zero”, tão disseminado pelo marketing oficial dos tempos tucanos. O Executivo mineiro ainda sente os efeitos dos 12 anos de gestão tucana em Minas. Salários de servidores têm sido parcelados, não são poucas as categorias que ameaçam entrar em greve e a Cidade Administrativa – a “Brasília” de Aécio - segue como um elefante branco de difícil administração, ela que fora promessa de redução de custos. 

O Governo de Minas Gerais, nos anos em que Aécio Neves esteve no comando, tomou emprestado ao Banco Mundial a expressão “Choque de Gestão” que, em tese, indicaria um novo modelo de gestão cujo objetivo seria equilibrar o orçamento do setor público, através do aumento da receita e da redução de despesas, além da reorganização e suposta modernização do seu aparato institucional, valendo-se de mecanismos próprios da esfera privada, inclusive a implementação de parcerias público privadas (GONTIJO, 2013). Tal modelo deita suas raízes no que fora implementado no Chile dos anos 70, sob a ditadura de Pinochet, e na Inglaterra e EUA durante os idos de 80, sob a batuta de Thatcher e Reagan, respectivamente. O tripé que norteia esse modelo tem suas origens nas diretrizes da Escola de Chicago, e consiste em privatização, desregulação e cortes nos serviços públicos. Uma lúcida definição do que foi o Choque de Gestão tucano em Minas Gerais pode ser obtida na seguinte citação:

Três princípios básicos norteiam as ações do modelo: resultados, terceirização e gestão compartilhada entre o público e o privado. Primeiramente, os “resultados” são medidos pela eficiência governamental a partir da pactuação e apuração de metas, quase sempre descoladas da realidade fática e das condições objetivas à sua realização. Não refletem, portanto, resultados de fato favoráveis ao cidadão. O método consiste em estabelecer parâmetros de baixo nível qualitativo, com o objetivo de alcançar resultados quantitativos “eficientes”: é a meta pela meta. Em segundo lugar, está a intensificação da “terceirização”. O modelo gerencial faz uma profunda crítica à burocracia do Estado. Imputa a morosidade da máquina e a ineficiência aos seus trabalhadores. O modelo abandona, ainda, em grande parte, os concursos públicos como forma de admissão e impõe a terceirização como forma de alcançar a eficiência orçamentária, com a redução de custos. Com essa ação, precariza o trabalho, diminui os salários e reduz a qualidade dos serviços prestados à população. Por fim, a gestão compartilhada é o terceiro alicerce do modelo. Consiste em transferir para o setor privado ações e políticas públicas de responsabilidade do setor público: educação, saúde, segurança, entre outras (REIS, 2013, p. 151). 

Os governantes tucanos mineiros, em vez de fortalecerem o funcionalismo por meio de melhorias na carreira, na remuneração e na formação, optaram por contratar pessoas sem concurso, por meio de currículos, entrevistas e testes psicológicos, método não raro vulnerável a julgamentos subjetivistas e a escolhas pessoalizadas (Governo do Estado de Minas, 2007). Durante os mandatos tucanos, o Governo de Minas Gerais tanto contratou quanto efetivou milhares sem que houvessem prestado concurso público. Contrariando o princípio da meritocracia, tão propalado pelos arautos neoliberais, bem como o inciso II do artigo 37 da Carta Magna, em cujo teor se lê que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos”, o governo de Aécio Neves – através da famigerada Lei Complementar 100, aprovada por unanimidade pelos deputados da ALMG e sancionada em novembro de 2007 – “efetivou” aproximadamente 98 mil servidores sem concurso público. 

Deve-se abrir um parêntese para sublinhar que a Emenda Constitucional 20/98, no parágrafo 13 do seu 40º artigo, estabelece que “ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social”. Como, havia anos, os governantes mineiros vinham optando pelo expediente de contratar sem concurso público e, contudo, abstendo-se de incluir os assim contratados no regime geral da previdência, um dívida bilionária com o INSS surgiu. A fórmula para “sumir” com esta dívida foi a Lei Complementar 100/2007. Um dos objetivos desta lei foi possibilitar a obtenção do CRP (Certificado de Regularização Previdenciária) - emitido pelo Ministério da Previdência Social - visando atestar que o Estado de Minas Gerais tinha boas regras de gestão previdenciária. Este certificado assegurou ao Estado condições de obter verbas federais e de celebrar contratos que pressupunham a anuência da União. 

Derrubada a Lei 100/2007 pelo STF e atestada sua inconstitucionalidade, coube ao governo Pimentel arcar com o ônus das peripécias tucanas. Uma das faturas mais salgadas que a gestão Pimentel deverá pagar tem o valor de R$ 1 bilhão, referente ao FGTS não pago no período de novembro de 2007 a setembro de 2015 aos cerca de 101 mil trabalhadores efetivados pela supracitada lei. 

Deve-se apontar como exemplo de gestão compartilhada, terceiro alicerce do modelo gerencial tucano conforme Reis (2013, p. 151), a implantação do primeiro presídio privado em Minas Gerais. O CPPP (Complexo Penitenciário Público-Privado), inaugurado em Ribeirão das Neves em 28 de janeiro de 2013, e projetado para abrigar 3.040 detentos, resulta de uma parceria do governo do estado com o consórcio Gestores Prisionais Associados (GPA). Trata-se de uma PPP (Parceria Público-Privada), basicamente, uma celebração de um contrato de concessão entre o poder público e a iniciativa privada através da delegação do gerenciamento de serviços a médio e longo prazos, tendo como contrapartida estatal a remuneração periódica do parceiro privado no período de referência. A principal ressalva à PPP prisional fica por conta da constatação de que, enquanto no sistema prisional público cada detento custa R$ 2,1 mil, no regime de parceria o Estado tem que repassar para o parceiro privado R$ 2,7 por recluso (valores de 2014). Assim sendo, fica mais caro aos cofres públicos estaduais o recluso no sistema de PPP do que no sistema tradicional. 

Durante a era Aécio era proibido à imprensa mineira pautar negativamente o governo do Estado. A notícia da prisão de Andrea Neves na Operação Patmos da Polícia Federal foi saudada por vários jornalistas, sobretudo aqueles que, nos idos em que a toda poderosa irmã de Aécio pautava a quase totalidade da mídia mineira, ousaram questionar o modelo e os métodos tucanos de governar e pagaram muito caro pela ousadia. Nomes como Geraldo Elísio, Marco Nascimento, Jorge Kajuru e Marco Aurélio Carone teriam sido vítimas da mordaça de Andrea Neves. 

Ao fim e ao cabo, o famigerado Choque de Gestão tucano mostrou-se um fracasso. Ao passo que a metodologia tucana de gestão foi para o brejo, a carreira política de Aécio Neves, ao que tudo indica, chafurda num mar de lama.

Sem a pretensão de isentar a gestão Pimentel de responsabilidades sobre a crise por que passa o Estado de Minas Gerais, é seguro afirmar que as administrações de Aécio Neves e Antônio Anastasia muito contribuíram para o atual cenário de déficit fiscal. No entanto, apesar da crise, não há indícios de que o atual governador tenha pedido a cabeça de jornalistas ou tenha tentado pautar jornais e emissoras de rádio e TV. Até porque, ainda hoje, passados quase três anos, a imprensa mineira ainda é majotariamente pró PSDB.


Em tempo: Sugiro ao leitor assistir abaixo ao documentário Liberdade, essa palavra, filme cuja temática é o suposto cerceamento à liberdade de imprensa levado a cabo pelo governo do Estado de Minas Gerais durante a gestão Aécio Neves. 



Referências bibliográficas

GOVERNO DO ESTADO DE MINAS. Estado para resultados – empreendedores públicos. Tadeu Barreto Guimarães (Org.). Belo Horizonte, Governo do Estado de Minas Gerais, 2007, p. 9 a 13. Disponível em: www.direitodoestado.com

GONTIJO, Cláudio. Notas sobre a economia política do governo tucano em Minas Gerais. In: REIS, Gilson; OTONI, Pedro (Org.). Desvendando Minas: descaminhos do projeto neoliberal. Belo Horizonte: Cedebras, 2013. p. 39-67.

REIS, Gilson. Minas Gerais: um Estado e uma elite a serviço de um projeto eleitoral. In: __________; OTONI, Pedro (Org.). Desvendando Minas: descaminhos do projeto neoliberal. Belo Horizonte: Cedebras, 2013. p. 139-154.

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