Responsabilidades da família e da escola



Por Cléber Sérgio de Seixas

Fim de semana marcado pelo feriado de Finados, fim de tarde de domingo, nihil novi sub sole. No entanto, o sol mal se põe no horizonte e escuto a seguinte frase: “ainda bem que amanhã é segunda-feira e os meninos vão para a escola”. A afirmação, ouvida de minha janela, seria apenas um desabafo de uma mãe ciosa da frequência escolar de seus filhos ou uma frase qualquer jogada ao vento, não fosse o imenso conteúdo sociológico oculto nos bastidores.

Movimento feminista à frente, muitos paradigmas foram quebrados pelo sexo feminino. Dentre as conquistas femininas das últimas quatro décadas, sublinhe-se a liberalização sexual proporcionada pela invenção da pílula anticoncepcional e a maior inclusão das mulheres no mercado de trabalho. Quero nesse breve artigo dar ênfase a essa última. Se as mulheres procuraram inserir-se no mercado de trabalho por conta das teses feministas ou em decorrência da necessidade de complementar a renda familiar - corroída pela falência do Estado Providência nos primórdios dos anos 70 -, pouco importa. O fato é que uma reconfiguração nos parâmetros familiares ocorreu quando dessa saída das mulheres de casa.

Quando as mulheres deixaram de ser apenas “do lar” para aventurarem-se no mercado de trabalho, e pressupondo concomitante ocupação laboral de seus companheiros, surgiu a seguinte questão: com quem deixar os filhos? Não se pretende aqui culpabilizar as mulheres por tal processo. Pelo contrário, abro aqui um parêntese para aludir à roqueira Rita Lee dizendo que toda mulher deve ser meio Leila Diniz, ou seja, despojada de toda restrição e preconceitos impostos ao sexo feminino por uma sociedade machista. 


Soluções “alternativas” à questão supra então vêem à tona, como: deixar os filhos com os avós, sob a responsabilidade um parente, com alguém de confiança ou, em última instância, sob os cuidados da babá eletrônica. Outra solução é deixar os filhos aos cuidados da escola. Mas aos cuidados de que tipo de escola deixariam os pais seus filhos? 

O que se pretende relevar aqui é que à reconfiguração familiar segui-se a escolar. Em outras palavras, os papéis da escola foram forçosamente reprogramados pelas profundas mudanças que atingiram o seio das famílias. No entanto, há que se refletir sobre o papel que se tenciona atribuir às instituições escolares, em especial àquelas de formação básica. 

Em que se pretende transformar a instituição escola? Tornar-se-á ela um albergue onde os pais deixam seus filhos enquanto estão no trabalho? Ou será ela uma instituição a cujos cuidados pais desocupados - como a supracitada mãe, dona de casa, que proferiu a frase citada no início deste texto - deixam seus filhos a fim de terem “momentos de folga”?

A sociedade quer impingir à escola o papel que deveria ser da família. No entanto, conforme indiquei em outro artigo, a primeira não tem condições afetivas, jurídicas ou econômicas para assumir responsabilidades delegadas à família. Se outrora a responsabilidade sobre o desempenho escolar dos alunos era exclusivamente dos pais, hoje tenta-se atribuí-la aos professores.

Eis que surge a alternativa do ensino em tempo integral, com o turno normal dedicado aos estudos do conteúdo da grade curricular e o contra-turno dedicado a atividades de formação profissional, recreativas, culturais e esportivas. Já existem escolas particulares onde isso é uma realidade. Contudo, trata-se de instituições inacessíveis à maioria assalariada.

União, estados e municípios buscam implantar em suas instituições de ensino a educação em tempo integral. No entanto, do ensino em tempo integral decorrem custos altos para os cofres públicos, que nem todos os estados e municípios têm condições de arcar. Sem condições financeiras, corre-se o risco de esses projetos serem implantados de forma precária, com consequências indesejáveis para seu público-alvo.

Minha esposa, professora, psicopedagoga e colaboradora deste blog, atua hoje como uma das coordenadoras do projeto Escola Cidadã, iniciativa da Prefeitura de Ribeirão das Neves que visa oferecer educação em tempo integral aos estudantes da rede municipal. Em seus primeiros passos, o projeto já recebeu centenas de alunos. O perfil de entrada são alunos com baixo desempenho escolar e vulnerabilizados socialmente. Animada com o projeto, ela, no entanto, percebe que alguns pais enxergam no projeto apenas uma oportunidade de se livrarem de seus filhos em tempo integral, haja vista a existência de mães com mentalidade semelhante à da senhora citada no início deste artigo.

Restam, portanto, muitos desafios às escolas públicas e a seus corpos docentes, responsabilizados que estão pelas famílias. No entanto, o que não se pode confundir são as responsabilidades de cada instituição, família e escola, sob pena de descaracterizarmos tanto uma quanto a outra.

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