Os interesses da mídia sobre Yoani
Clique de fotógrafos, empurra-empurra de jornalistas e uma extensa listade atividades. A agenda parece a de um pop star, mas foi a rotina da blogueira cubana Yoani Sánchez desde sua chegada ao Brasil, na última segunda-feira (18).
Autora do blog Geração Y, Yoani ficou mundialmente conhecida por suas críticas ao governo de Cuba. Tratada como heroína por sua postura “combativa”, Yoani veio ao Brasil participar de uma exibição do documentário Conexão Cuba – Honduras, de Dado Galvão, no qual é uma das entrevistadas.
A vinda da blogueira de 37 anos foi possibilitada pela reforma migratória promovida por Raúl Castro em janeiro deste ano, que flexibilizou o controle dos deslocamentos de cubanos ao exterior.
Além do Brasil, o “tour” de Yoani terá mais 11 países. Na lista estão México, Estados Unidos, Argentina, Canadá, Peru, Espanha, Itália, Alemanha, República Tcheca, Países Baixos e Suíça.
As relações de Yoani
Em todas as suas manifestações no Brasil, Yoani fez questão de frisar que não há qualquer tipo de financiamento por trás de sua atuação política. Entretanto, as relações de Yoani sugerem que suas motivações podem estar bem longe de preocupações humanitárias.
De acordo com documentos revelados pelo WikiLeaks, Yoani era frequentadora assídua do escritório de representação dos Estados Unidos em Havana. Em uma das mensagens divulgadas, o antigo chefe da Seção de Interesses Norte-Americanos (Sina), Michael Parmly, demonstrou preocupação com uma possível publicação dos telegramas diplomáticos estadunidenses pelo Wikileaks: “Ficaria bastante aborrecido se as inúmeras conversas que tive com Yoani fossem publicadas”, afirmou.
Para o professor do curso de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC) Igor Fuser, ao assumir essa posição “combativa” contra o governo de Cuba, Yoani cumpre um papel que interessa aos Estados Unidos.“[Yoani] Pertence a uma linhagem de figuras que atuaram como instrumentos da máquina de propaganda dos Estados Unidos no papel de ‘dissidentes’, ou seja, opositores real ou supostamente perseguidos por regimes comunistas”, diz.
Fuser chama atenção ainda para o fato de que, dentre tantas denúncias, Yoani nunca ter mencionado o embargo estadunidense contra Cuba, que afeta seu povo há 51 anos. Suas críticas consistem sempre em apontar as carências da ilha e, em seguida, a ataques contra o governo cubano. Para o professor, o discurso único evidencia a falta de independência da blogueira. “Yoani se limita a repetir a cartilha que lhe é ditada pela CIA [serviço de inteligência estadunidense], sem a mínima nuance que permita deduzir a existência de uma pessoa que pensa pela própria cabeça”, explica.
Falsa imagem
Já o jornalista e coordenador do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, Altamiro Borges, critica a imagem construída por Yoani, de alguém que enfrenta dificuldades econômicas e sofre perseguição ao tentar denunciar as agruras do povo cubano. “[Yoani] tenta aparentar que é uma pessoa perseguida, sofrida, mas é uma pessoa de alto poder aquisitivo, com um alto padrão de vida nos moldes cubanos, que publica o que quer e escreve o que quer”, afirma Borges. “Esse papo de que ela é censurada é ‘conversa fiada’”, completa.
Privações materiais, de fato, não são um problema para a blogueira. Em novembro do ano passado, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que agrupa os grandes conglomerados midiáticos privados do continente, nomeou Yoani como vice-presidente regional de sua Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação por Cuba. O cargo lhe rende mais de seis mil dólares mensais, livres de impostos. Yoani, no entanto, não comentou o assunto em seu blog.
Além do salário da SIP, Yoani conta com a remuneração do jornal El País, que a mantém como colaboradora em Cuba, e os valores recebidos por meio de diversos prêmios de direitos humanos.
Mídia
A passagem de Yoani no Brasil ganhou grande destaque na imprensa corporativa, que acompanhou seus passos desde a liberação do passaporte até detalhes de suas visitas por diferentes cidades.
Esse interesse na figura de Yoani, para Altamiro Borges, justifica-se pela postura “anti-Cuba” da imprensa corporativa brasileira. Ele lembra que, desde a Revolução Cubana, em 1959, a mídia local está empenhada em combater o regime existente na ilha. “A mídia brasileira sempre detestou Cuba. Cuba tem muitos problemas e erros, mas também tem muitas coisas positivas do ponto de vista da saúde, da educação. Isso a mídia brasileira evita falar. Ela [mídia brasileira] só fala mal de Cuba, por isso ela gosta tanto da Yoani”, argumenta.
Outro interesse da mídia sobre a cubana, para Altamiro Borges, está na questão da regulação da comunicação, debate há muito tempo em voga no Brasil. Ao se colocar como defensora da “liberdade de expressão”, Yoani ganha simpatia imediata dos oligopólios de comunicação, que refutam qualquer tipo de regulação.“A Yoani se encaixa perfeitamente nos planos dessa propaganda ‘anti’ qualquer tipo de regulação democrática da comunicação”, diz.
O principal problema, para o coordenador do Coletivo Intervozes, Pedro Ekman, é o fato de a mídia brasileira utilizar-se do exemplo do modelo de comunicação de Cuba – que, segundo ele, peca pela falta de pluralidade - para atacar qualquer iniciativa que vise à regulação da mídia. “Quando você coloca nesse mesmo conjunto países como Uruguai, Argentina, Equador, como se tudo fosse parte de um mesmo grupo político que pensa comunicação da mesma forma, você consegue evitar que processos de transformação e de democratização efetiva possam ser feitos”, explica.
Para Ekman, o Brasil seria uma oportunidade para Yoani mostrar se está realmente interessada em defender o direito à comunicação. “Se a Yoani de fato estiver interessada em defender a liberdade de expressão e de imprensa, ela teria que ter a responsabilidade de, no Brasil, criticar a concentração dos meios de comunicação nas mãos de seis ou sete famílias que controlam praticamente toda a cadeia de comunicação”, salienta.
Fonte: Brasil de Fato
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