Os EUA e os ditadores que lhes convêm

Obama e Khadafi em outros tempos


Por Cléber Sérgio de Seixas


Certa vez o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt proferiu a seguinte frase: “É um filho da puta, mas é o nosso filho da puta”. Roosevelt, um dos mais queridos e lembrados presidentes dos EUA, artífice do New Deal, se referia ao ditador nicaragüense Anastácio Somoza, um títere de Washington que governara com mão de ferro a Nicarágua por quase duas décadas. Após o assassinato de Somoza, seus filhos, direta ou indiretamente, comandariam o país de forma ditatorial até o fim dos anos 70, quando a Revolução Sandinista pôs fim à ditadura.

Somoza fora apenas um dentre vários ditadores financiados por Washington. Só chegara ao poder porque o governo estadunidense sabia que podia contar com ele na defesa de seus interesses bem como os das corporações dos EUA.

À partir do momento que um governante simpático aos interesses do imperialismo norte-americano deixe de sê-lo, uma onda de infâmias tratará de assassinar a reputação do ex-títere, de forma a preparar o caminho para sua deposição ou eliminação. Assim ocorreu com Saddam Hussein.

No dia 19 de outubro o mundo inteiro viu as imagens de um Muamar Khadafi subjugado, ensangüentado e sendo arrastado pelas ruas de sua cidade natal Sirte. Imagens posteriores mostraram o corpo já inerte do ex-ditador líbio.

Muitos se apressam em dizer que a derrocada de Khadafi é sinônimo de vitória da democracia na Líbia, tal como outros tantos disseram que a prisão e assassinato de Saddam Hussein trariam de volta a democracia ao Iraque. O que pouco se ouve dizer é que a intervenção da OTAN na Líbia não passa de uma ação imperialista das potências ocidentais para se apropriarem das riquezas naturais daquele país, sobretudo do ouro negro que se esconde em seu subsolo. Morto Khadafi, os invasores iniciarão a repartição do butim.

De qualquer ângulo que se olhe, o saldo parece ser negativo, sobretudo se for considerado que os rebeldes líbios mantinham certa coesão na oposição a Khadafi. A morte do ditador pode significar uma luta fratricida entre as várias facções que compõem o CNT (Conselho Nacional de Transição). Tais facções não contam com nenhum denominador comum que as unifique. Na Babel que sucede a queda de Khadafi o que sobra são armas nas mãos de rebeldes que dificilmente se tornarão estadistas.

Obama prometeu retirar as tropas americanas do Iraque até o fim deste ano. Contudo, o Iraque do pós-retirada das tropas estadunidenses em nenhuma medida será um país mais seguro ou pacífico que aquele sobre o qual choveram mísseis teleguiados e bombas em 2003. O mesmo se aplica com o Afeganistão sem o Talibã e sem Bin Laden. Da mesma forma, a Líbia não será mais pacífica sem o excêntrico coronel ditador.

Donald Rumsfeld em 1983 como enviado especial ao Iraque para reforçar o apoio dos EUA ao governo de Saddam Hussein

Durante a Guerra Irã-Iraque os EUA apoiaram o Iraque como forma de deter o avanço da Revolução Iraniana. Enquanto Saddam Hussein era um “filho da puta” simpático aos interesses dos Estados Unidos no Oriente Médio, não havia preocupações deste país com a democracia iraquiana. Quando as ações do ditador iraquiano destoaram dos interesses econômicos e geopolíticos dos EUA, estes trataram de eliminá-lo. Seguindo o mesmo raciocínio, Khadafi era um “filho da puta” que não se curvou aos interesses econômicos das potências ocidentais e que, por isso, também foi eliminado.

Se enganam os que acreditam que a preocupação das forças da OTAN é com a democracia líbia. Khadafi era um terrorista de Estado que não deixa saudades, mas é possível que o que virá após sua morte deixará o povo líbio com saudades dos tempos do ditador.
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