SALVEM A INFÂNCIA!



Por Cléber Sérgio de Seixas


A menina chega sonolenta à palestra sobre saúde e higiene. No intervalo confidencia à palestrante que o cansaço é decorrente de noites mal dormidas. A palestrante indaga sobre o motivo da insônia e a menina responde que tem sido molestada todas as noites pelo irmão de 17 anos. Este episódio seria apenas mais um caso de incesto se não tivesse sido cometido com o consentimento da própria mãe da criança, que permitia o abuso desde que o rapaz continuasse a manter financeiramente a família. A tragédia é maior pelo fato da menina ter apenas 11 anos de idade (*).
Salvem a infância antes que a matem! Querem transformar nossas crianças em adultos precoces, roubando-lhes o desfrute dos tenros anos, tirando-lhes o privilégio da fantasia e da inocência. Se o mercado precisa avidamente de consumidores, apela-se à erotização precoce para fazer com que os pequeninos consumam quase tanto ou como um adulto. Prestando atenção exagerada ao próprio corpo as crianças se tornarão alvo fácil do consumismo. Mas elas têm uma defesa contra isso: a fantasia. Uma criança é capaz de brincar sozinha e, no entanto, imaginar-se cercada de multidão; pode enxergar um aviãozinho em meros gravetos entrecruzados; pode fazer de uma simples boneca, uma criança que fala e chora. Sendo assim, que diferença faria a marca da calça ou do vestido? A fantasia e o sonho fazem parte da experiência infantil e devem ser estimuladas nesta fase, sobretudo pelo incentivo à leitura.
Como então anular os efeitos da fantasia infantil com vistas à formação de consumidores mirins? Um dos métodos é colocar as crianças diante da babá eletrônica. É hora de despedir o amiguinho imaginário pois vem aí a caixa mágica, que sonha pelas crianças e lhes oferece, com sua publicidade, a boneca Barbie e seu namoradinho Ken. Querem ser como aquela moçoila magérrima, rica, e como aquele garotão yuppie.
Pesquisas recentes informam que as crianças brasileiras passam de três a cinco horas por dia vendo TV, sendo que este tempo é tanto maior quanto mais baixo for o poder aquisitivo da família, visto que famílias mais pobres têm menos acesso a outros tipos de entretenimento. Como então a escola pode competir com a televisão na formação das crianças? É fato que aquela forma enquanto essa deforma. 
A televisão, fábrica de estereótipos inalcançáveis para a maioria dos pobres mortais, antecipa nas meninas as preocupações exageradas com a aparência física, contribuindo para que surjam as anoréxicas, bulímicas e deprimidas do amanhã. Nos meninos, dentre outras coisas, estimula a agressividade como resultado da exibição de desenhos animados de conteúdo violento. Além disso, o bordel é trazido para dentro de casa em pleno horário nobre da platéia pobre.
São apropriadas às crianças estas roupas que as tornam simulacros de adultos? Quão triste é ver meninas se vergando por trazer nos braços suas bonecas vivas e choronas! E que meninas e meninos são estes que já carregam sobre os ombros o peso da responsabilidade de cuidar da família, trocando o brincar pelo trabalhar? Quão triste é vê-los nas ruas das cidades grandes, vagantes e pedintes. Chegaram-lhes muito cedo as responsabilidades e ansiedades da vida. Muitas crianças saltam da infância à adolescência antes de passar pelas mudanças biológicas próprias da puberdade. Produz-se então um ser dúbio e anômalo, que é biologicamente infantil e psicologicamente adulto.
Dizia Casimiro de Abreu: ”Oh que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infância querida que os anos não trazem mais!” Como os adultos do porvir lembrarão, saudosos, dos seus “oito anos” que não voltam mais, se hoje, como crianças adultas, desconhecem os prazeres da infância? Haverá salvação para a infância? Haverá dias melhores para nossos meninos e meninas? 
A resposta passa necessariamente por maior acesso à leitura, pela melhoria da qualidade da programação infantil na TV, pelo combate à pedofilia, à prostituição e trabalho infantis e por uma escola de qualidade e em tempo integral.
(*) O caso é verídico e a palestrante em questão era a minha esposa.

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