Por que me tornei ateu


Por Jeferson Malaguti Soares

Nasci, me criei, casei e fui católico até há pouco tempo. Aos poucos fui me conscientizando do delírio que é ter uma religião, onda de superstições, desvarios que beiram a insanidade. Vi padres pedófilos, falsos pastores que enriqueceram às custas do pobre em busca de prosperidade, líderes religiosos de extrema direita, miscigenação entre política e religião. Aprendi que é impossível conhecer tudo que seja imaterial, como um Deus, santos, alma, espírito. Só de dizer que são figuras imateriais, para mim, se tornou um nada. Imaterial, quer dizer que não é matéria, e, se não é matéria, é absolutamente nada. Cultura imaterial também seria nada, não existissem atitudes, representações, roupagens que a definissem. A ciência também seria imaterial, ou nada, não fossem suas descobertas, suas informações, que servem para justificar tudo o que ocorre no universo.

Mas como definir Deus? Tudo nele é impalpável. Não pode ser visto. Tudo nele é insondável, imperscrutável. Como aceitar que um ser, apesar de etéreo, seja ao mesmo tempo, onipresente, onisciente e onipotente? Além de infinito (aquele que não conhece a finitude), sobrenatural e existente por si só? Fim último de tudo que existe?

Um pergunta que sempre me perturbou: "se Deus é pai, nosso pai, por que permite tanta maldade contra nós, seus filhos?" As igrejas respondem a isto com a expressão "livre arbítrio", isto é, o poder que o próprio Deus deu a todos de escolher suas atitudes, qual caminho percorrer. Para mim, apenas um pretexto bem elaborado para justificar o injustificável. Livre arbítrio não passa de uma lacuna no conhecimento, uma lógica defeituosa, uma exultação irresponsável à ignorância, uma mistificação atemporal.

O fundamentalismo religioso, atitudes que pregam obediência rigorosa e literal a um conjunto de princípios da religião, é, na realidade, uma subversão da ciência. Assim é que o fundamentalismo judaico permite que Israel expulse os palestinos de sua Palestina, tal qual Hitler ousou contra os judeus. O argumento ontológico, racionalização teórica, a priori, acredita que uma entidade capaz de ouvir uma oração a ele dirigida precisa, necessariamente, se convencer de sua própria existência. Para os fundamentalistas, Deus é o primeiro a acreditar na sua existência. Fosse a ciência atitudes impostas, nada teria provado ou demonstrado sobre a nossa existência física. A ciência não precisa crer que existe. Ela é a principal responsável não só pela existência de tudo, mas de sua transformação lógica. A ciência é, por si só. Enfim, acredito que o fundamentalismo subverte a ciência.

Uma definição de Deus que eu mais aprecio vem de um texto de George Carlin no livro ‘Deus um Delírio”, capítulo 8, página 360, citado na bibliografia abaixo. Diz ele: “A religião convenceu mesmo as pessoas de que existe um homem invisível-que mora no céu - que observa tudo o que você faz a cada minuto de cada dia. E o homem invisível tem uma lista especial com dez coisas que ele não quer que você faça. E, se você fizer alguma dessas 10 coisas, ele tem um lugar especial, cheio de fogo e fumaça, e de tortura e angústia, para onde vai mandá-lo, para que você sofra e queime e sufoque e grite e chore para todo o sempre. Até o fim dos tempos... Mas Ele ama você!” Irônico, mas é o que nos ensinam quando crianças. Vejam que ele define Deus como um homem. Por que não uma mulher? Porque a mulher é tratada como sub-gente nos principais livros religiosos de qualquer religião. Aliás, Santo Agostinho já define, em Solilóquios, o caráter da mulher, segundo ele, numa frase de absoluta irreverência às mulheres: “Nada é tão poderoso para enfraquecer o espírito de um homem quanto os carinhos de uma mulher”.

Outro livro muito interessante é “A vida sexual dos Papas” de Nigel Cawthorne. Uma exposição irreverente dos bispos de Roma. Devassidão, decadência, luxúria, escândalos, desde São Pedro até nossos dias. Tudo que ali é narrado não é diferente do que acontece hoje dentro e fora das igrejas neopentecostais, ditas evangélicas, lideradas por pessoas de caráter e vida duvidosos. 

O professor G.A.Wells (1926-2017), da Universidade de Londres, em vários livros, defendeu que Jesus sequer existiu. Um deles foi "Did Jesus exist?". Embora Jesus provavelmente tenha existido, nisso eu acredito, porém não creio que o Novo Testamento, e muito menos o Antigo Testamento, possam ser um registro confiável do que realmente aconteceu na história da humanidade. Tampouco considero que a Bíblia evidencie a existência de qualquer tipo de divindade. O filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) em seu famoso livro "Assim falou Zaratustra", afirma que os ensinamentos de Jesus Cristo morreram com ele na cruz. Isto porque ele considerava os evangelhos pura ficção, invencionices de escribas que inventaram ou interpretaram mal as falas de Jesus, ou ainda omitiram muitas das suas ideias. Haja vista que Jesus nada deixou escrito.

Criação ou evolução? A verdade dos livros sagrados é um axioma, uma sentença, não o produto final de um processo de raciocínio lógico. É nisso que os adeptos do criacionismo se apoiam. Dentre as coisas que eu acredito está o evolucionismo, não porque li num livro sagrado, mas porque as provas são contundentes. São quantidades imensas de evidências mutuamente sustentáveis. Quando descobre-se um erro num livro sobre ciência, ele é corrigido nos livros subsequentes. Isto não acontece nos livros sagrados. Não que eles não podem ou devem ser corrigidos, mas porque é proibido descobrir qualquer erro neles. Acredito na evolução porque as evidências a sustentam, e a abandonaria se surgissem novas evidências que a desmentissem, mas não surgiram até hoje, e duvido que surjam. Quando algum oponente meu se recusa a pensar nisso, e me acusa de apaixonado por uma causa, eu lhe digo que as evidências da evolução são fortíssimas e o que me perturba é que religiosos insistam no criacionismo, isto sim seria uma paixão sem qualquer fundamento. A teoria da evolução biológica defendida por Darwin (Charles Darwin, 1809-1882) se sustenta sob pesquisas e observações por vários anos de estudo. Até meados do século 19 a maioria dos cientistas ocidentais compartilhava a ideia de que Deus tinha concebido todas as criaturas do planeta. Alguns pesquisadores já falavam antes disto, a respeito da evolução das espécies, mas foi Darwin quem ofereceu provas científicas que explicam o mecanismo que a torna possível: a seleção natural. Conheci alguns aborígenes australianos quando visitei minha filha que mora naquele país há quase 25 anos. O que pude notar é que são excelentes sobreviventes sob condições que exigem habilidades e muita disciplina. O interior da Austrália é um enorme deserto de sol causticante e pouca água, onde habitam os aborígenes e muitos cangurus. Esse povo, que é tão sábio em relação ao mundo natural e a como sobreviver nele, ao mesmo tempo enche suas cabeças de crenças absurdamente falsas para as quais a palavra “inúteis" é muito generosa. Sei que nenhuma cultura conhecida pelo mundo deixa de ter ou criar rituais onerosos e trabalhosos, fantasiosos, contraproducentes e frenéticos da religião, seja ela que mitos veneram.

A principal vantagem direta das religiões é que a crença nelas protege as pessoas de alguma doença. As evidências sobre isto são frágeis, mas não me surpreenderia se funcionasse em alguns casos de cura movida pela fé. Afinal, a mente ajuda e muito no processo de cura, dizem alguns médicos. Mas isto não reforça o valor de verdade das alegações religiosas. São apenas efeitos benéficos que podem deixar mais confortáveis aqueles acometidos por algum mal. O dramaturgo irlandês George Bernard Shaw (1856-1950) explica isso dizendo que "o fato de um crente ser mais feliz que um cético não quer dizer muito mais que o fato de um homem bêbado ser mais feliz que um sóbrio". Um médico generoso e consolador pode fornecer um certo conforto ao paciente, sem que isto possa ser considerado uma dádiva religiosa. O efeito placebo (qualquer substância com efeito inerte que não interage com o organismo, como o copo de água com açúcar que nada prova ser calmante para um momento de estresse) é bem documentado e nem é tão misterioso assim. Pílulas sem efeito, sem nenhuma ação farmacológica, podem beneficiar a saúde, fruto do encantamento, fé ou simpatia, como se queira definir. É bem provável que a religião seja o placebo da vida, ante o sentimento de culpa mórbida que consome os católicos, por exemplo, com uma dosagem normal de fragilidade humana e de uma inteligência abaixo do normal.

Se o sentido da política é a liberdade, o sentido da vida também o é. E nada inibe mais a liberdade quanto as religiões. As religiões buscam possuir o monopólio do poder, contra sua vontade de ser liberto. Enfim, me tornei ateu porque preciso. Não gosto da ideia de que tenho uma alma e que ela viverá eternamente, em eterno prazer ou eterno sofrimento, baseado no que fiz ou deixei de fazer nesses poucos anos terrenos, de acordo critérios inescrutáveis definidos por um ser para o qual sou menos que uma ameba. A gente não acredita no que quer, a gente acredita no que pode. Sem essa de que pode haver um significado para a vida. Estou vivo, por enquanto. Isto não basta para significar tudo? Enquanto estiver vivo, aproveito. Segundo o analista de negócios Paulo Roberto Autran Nunes (Fortaleza-1956) "um dos principais indícios de um alto QI, de uma inteligência acima da média, é o ateísmo precoce". O meu não foi nada precoce, tenho 76 anos e até os 70 era crente. Liberto antes que tarde fosse.

Bibliografia

Deus, Um delírio - Richard Dawkins Companhia das Letras (2015). 

O Que é Política - Hannah Arendt Bertand Brasil 7ª edição (2007).

O Apartheid de Israel -Natanael Braia Editora Alfa-Omega (2002).