2016: o ano que não terminou

Amanhã vai ser outro dia

Por Cléber Sérgio de Seixas

Há algum tempo o compositor Gonzaguinha nos falou que o hoje é a semente do amanhã. De fato, o que foi feito no ano anterior refletirá no que se inicia. É normal que em meio às festividades que precedem o ano novo sejam proferidos votos de um porvir mais risonho. Contudo, a passagem de um ano a outro não se faz de forma estanque, ou seja, o que foi plantado em 2016, para o bem ou para o mal, florescerá em 2017. 

Já há quem considere que 2016 é o ano que não terminou. A alusão ao título do famoso livro de Zuenir Ventura é proposital, haja vista que alguns eventos do ano passado deixarão marcas indeléveis na estrutura sócio-político-econômica do país.

Não se pretende assumir aqui um tom pessimista, sobretudo porque o pessimismo convida à resignação e esta à inação. E inação e imobilismo são tudo o que os conservadores de plantão querem daqueles que hora mais sofrem com o status quo político e social deste nosso imenso Brasil. É oportuno frisar que a opção pelo otimismo se dá em função de não podermos nos dar ao luxo de sermos pessimistas neste cenário que reclama nosso engajamento. Como alguém já disse: “sejamos otimistas, deixemos o pessimismo para dias melhores”. 

Nesses tempos sombrios por que passamos, no entanto, impõe-se que sejamos, no mínimo, realistas. A julgar pelo momento, não são bons os augúrios para o ano que inicia, e o amanhã não promete alvíssaras. 

2016 feneceu com a notícia da morte do vendedor ambulante Luiz Carlos Ruas, assassinado no dia do Natal por dois primos numa estação do metrô paulistano, enquanto 2017 despertou, atônito, com o assassinato de 12 pessoas em Campinas e de 60 custodiados no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. Na chacina campineira as vítimas foram abatidas por um maluco com idéias típicas da extrema direita, reveladas em carta publicada postumamente. Dentre as vítimas, mulher e filho do assassino, que suicidou depois das execuções. O episódio de Manaus, já considerado a maior tragédia do sistema prisional brasileiro desde o massacre do Carandiru, resultou da rivalidade entre grupos ligados ao Comando Vermelho e PCC. Na madrugada de sexta-feira (6), 33 presos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, localizada em Boa Vista (RR), foram mortos por outros reclusos. Há indícios de que as mortes seriam uma retaliação do PCC à facção algoz do massacre de Manaus.

Quase no apagar das luzes de 2016, foi aprovado a PEC 55, também conhecida como PEC do Teto de Gastos (PEC da Morte para os íntimos), em cujo teor se estabelece, na prática, o congelamento dos gastos públicos por vinte anos. Aprovada tal PEC, o governo Temer se prepara para enviar ao Congresso as propostas de reforma da Previdência e trabalhista. Juntas, tais reformas dilapidarão muitas das conquistas sociais dos últimos 14 anos, bem como o legado social da Constituição de 1988. Os efeitos de tais mudanças sobre o povo brasileiro serão devastadores, e o que se vislumbra é a inserção deste numa espiral de pauperização. 

O triste é constatar que algumas reformas partem de premissas falsas. A da Previdência, por exemplo, pressupõe um déficit que, segundo especialistas, não existe. Segundo a economista Maria Lúcia Fattorelli, os defensores da existência do déficit da Previdência consideram apenas o que se arrecada com a folha de pagamento, deixando de lado a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição Para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Ainda segundo Fattorelli, o governo se utiliza da DRU (Desvinculações de Receita da União) para retirar receitas do sistema de seguridade social a fim de cumprir metas de superávit primário e pagamento de juros e serviços da dívida pública, o que compromete o orçamento da Previdência. 

A reforma trabalhista proposta pelo governo Temer, na prática, rasgará a CLT e tornará as relações patrão-empregado desvantajosas para os trabalhadores. Ela propõe, por exemplo, que o acordado prevaleça sobre o legislado. Na prática, caso aprovada, a reforma dará força de lei ao que for negociado entre patrões e empregados em detrimento do que reza a CLT. Assim, conforme sugerido por um certo representante da FIESP, o trabalhador poderia fazer somente 15 minutos de intervalo para almoço - sem entrar, aqui, no mérito da questão de que um almoço saudável jamais durará apenas 15 minutos. Frise-se que, na mesa de negociação, o trabalhador e seus representantes sindicais sempre constituem a parte mais fraca, sobretudo diante das investidas do capital transnacional, que é o que se esconde nos bastidores da famigerada reforma trabalhista hora proposta.

É por essas e outras que 2017 não será um ano bom para o povo brasileiro. Este e os anos que se seguirão, em muitos aspectos, serão um desdobramento de 2016. Contudo, retornando à paráfrase dos versos do saudoso Gonzaguinha na canção Nunca Pare de Sonhar, deve-se ter fé na vida, fé no homem e fé no que virá. E essa fé não se dá no âmbito da metafísica por se tratar de fé no homem, o único que, concretamente, pode fazer o que será. Trata-se, enfim, da fé no bem que podem fazer os homens de bem e os comprometidos com a missão de fazer do Brasil uma nação mais justa e igualitária.

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