Contra corruptos e corruptores

Por Cléber Sérgio de Seixas

Parcela expressiva do povo brasileiro tomou as ruas no mês de junho. Indivíduos que nunca antes haviam saído às ruas para protestar, fizeram-no, ora embalados por uma genuína revolta com o contexto político-econômico-social nacional, ora hipnotizados pelo canto de sereia dos grandes conglomerados midiáticos, interessados em instrumentalizar as manifestações em prol de seus interesses, leia-se interesses de uma burguesia nacional saudosa de um passado recente em que o neoliberalismo dava as cartas.

O estopim das manifestações foram as reivindicações do MPL (Movimento do Passe Livre) de São Paulo. Rapidamente, as ruas de todo o Brasil se encheram de cidadãos que protestavam sobre temas diversos, que iam do preço das passagens à corrupção no meio político. Dizia-se que não era apenas por 20 centavos, mas sim contra “tudo isto que está aí”.

Nesse contexto, não faltaram execrações públicas a partidos e seus políticos, e em algumas manifestações as bandeiras de partidos, sobretudo aquelas de cor vermelha, foram rechaçadas. Àqueles que demonizaram as bandeiras, que reverberaram discursos anti-partidários (não confundir com apartidários), que jogaram no mesmo "balaio de gato" todos os políticos, como se todos fossem iguais e estivessem irmanados na prática da corrupção, convém sugerir prudência.

Não se pretende nessas breves linhas afirmar que os que criticaram os políticos faziam-no sem motivo. Motivos suficientes há na política brasileira e de alhures para que o povo ocupe as ruas massivamente exigindo moralidade e mudanças. No entanto, criminalizar a política e os partidos políticos é um dos primeiros passos rumo ao fascismo. Antes de qualquer coisa, a política deve ser entendida além de sua modalidade partidária e apreendida em seu sentido lato, ou seja, como o povo participando das decisões acerca da vida na polis.


Apesar de todos os seus defeitos, o paradigma político-partidário moderno ainda não foi superado em nenhum sistema político no mundo. A última vez em que o povo foi convencido de que sua união espontânea seria mais importante que a sua organização em partidos políticos, o resultado foi o fascismo, tendo sido paradigmático o exemplo de sua variante alemã, o nazismo. Discursos de condenação aos políticos proferidos por manifestantes portando cartazes com dizeres tais como “o partido é o meu país” evocam uma frase do pensador inglês Samuel Johnson que diz que “o patriotismo é o último refúgio de um canalha.”

Na Espanha o movimento dos indignados, crítico aos partidos tanto à direita quanto à esquerda do espectro político daquele país, também não permitiu bandeiras partidárias em suas manifestações, afastou seus militantes das urnas e hoje aquela nação ibérica paga um preço altíssimo com a ascensão ao poder de um presidente pertencente a um partido conservador e de bases franquistas. Na atualidade, a Espanha, assolada pelas políticas de austeridade caras ao neoliberalismo, exporta trabalhadores para o Brasil. Nos EUA, o Occupy Wall Street, que afirmava não precisar de políticos para construir uma sociedade melhor, não foi além de algumas ocupações e o que se observa hoje são sinais de arrefecimento do ânimo do movimento.

Se há intenções sinceras de enfrentar o problema da corrupção político-partidária brasileira, há que defrontá-lo buscando desnudar suas raízes. Sem quaisquer sombras de dúvidas, uma das causas da corrupção política tupiniquim é o modelo de financiamento de campanhas políticas aqui adotado. Antes de estender o raciocínio, deve-se salientar que em uma eleição, sob o ponto de vista dos investidores privados, financiamento rima com investimento, ou seja, aquele que emprega seu dinheiro num determinado candidato não o faz para perder e sim, e tão somente, na possibilidade de lucros. Tolera-se que empresários financiem milionárias campanhas políticas e faz-se vistas grossas ao financiamento público, afirmando que este seria muito oneroso aos cobres públicos. Ora, é pacífico entre analistas do sistema político brasileiro que o dinheiro que fluirá pelo ralo da corrupção oriunda de financiamentos privados de campanha, sob a forma de superfaturamento de obras e prestação de serviços, licitações fraudulentas, etc, será muito maior do que se ao Estado coubesse cem por cento do financiamento.

Além disso, o financiamento privado de campanha acarreta a desideologização dos candidatos. Tal processo advém da dívida contraída pelo candidato junto a seu financiador. Vencido o pleito, o ocupante de cargo eletivo deverá mais favores aos financiadores majoritários de sua campanha do que satisfação a seu eleitorado. Aos poucos, suas propostas progressistas diluir-se-ão graças ao conluio com a fonte que lhe sustentou financeiramente. Usando termos simples, toma as rédeas da política quem não recebeu um voto sequer.

Deve-se acrescentar que corrupção resulta da interação de dois termos: corrupto e corruptor. Em outras palavras, a corrupção não encontrará ocasião de manifestar-se se uma dessas variáveis se ausentar. O corrupto só o será em função da ação do corruptor. Assim sendo, faz-se mister perguntar quem são os corruptores? Qual é a classe social que concentra maior parcela de corruptores? O leitor concordará que dentre os de menor poder aquisitivo não se encontrará parcela expressiva dos mesmos. Quem são, portanto, os maiores corruptores de políticos nesse país? Quem serão eles senão os donos de grandes parcelas da riqueza nacional?

Ora, os grandes empresários são os maiores corruptores deste país. No entanto, quando a corrupção vem à tona, trazendo consigo os políticos que se deixaram corromper, é raro que também venham à luz os corruptores. Nos grandes escândalos que mancham a imagem de políticos, pouco ou quase nada se fala em relação aos empresários que os corromperam. Esses passam incólumes pelos grandes momentos de desprestígio da política nacional e, vão-se os anos, ainda gozam de boa reputação ante a sociedade, e não raro fazem as vezes de caixa de ressonância de discursos que evocam a moralização da política.

A presidente Dilma Rousseff fez bem ao solicitar um plebiscito para reforma política em cujo bojo se encontra o financiamento público de campanha. Pena que, dificilmente, esse Congresso que aí está aprovará tal reforma que mudaria os rumos políticos da nação.


Para o bem de nosso futuro político, da próxima vez que forem às ruas, os manifestantes deveriam também empunhar cartazes cobrando a punição dos corruptores e uma reforma político-eleitoral que pressuponha o financiamento público de campanha.

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