O Estado não pode lavar as mãos diante de mortes anunciadas

NOTA PÚBLICA DA CPT

A Coordenação Nacional da Comissão Pastoral da Terra – CPT - reputa como muito estranhas as afirmativas de representantes da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Pará, do IBAMA e do INCRA que disseram no dia 25 de maio desconhecer as ameaças de morte sofridas pelos trabalhadores José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, assassinados a mando de madeireiros no dia 24/05/2011, em Nova Ipixuna (PA). O ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, chegou a afirmar que o casal não constava de nenhuma relação de ameaçados em conflitos agrários, elaborada pela Ouvidoria ou pela Comissão Nacional de Combate à Violência no Campo.

A CPT, que desde 1985 presta um serviço à sociedade brasileira registrando e divulgando um relatório anual dos conflitos no campo e das violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras, com destaque para os assassinatos e ameaças de morte, desde 2001 registrou entre os ameaçados de morte o nome de José Claudio. Seu nome aparece nos relatórios de 2001, 2002 e 2009. E nos relatórios de 2004, 2005 e 2010 constam o nome dele e de sua esposa, Maria do Espírito Santo. Pela sua metodologia, a CPT registra a cada ano só as ocorrências de novas ameaças.

Também o nome de Adelino Ramos, assassinado no dia 27 de maio, em Vista Alegre do Abunã, Rondônia, constou da lista de ameaçados de 2008. Em 22 de julho de 2010, o senhor Adelino participou de audiência, em Manaus, com o Ouvidor Agrário Nacional, Dr. Gercino Filho, e a Comissão de Combate à Violência e Conflitos no Campo e denunciou as ameaças que vinha sofrendo constantemente, inclusive citando nomes dos responsáveis pelas ameaças.

No dia 29 de abril de 2010, a CPT entregou ao ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, os dados dos Conflitos e da Violência no Campo, compilados nos relatórios anuais divulgados pela pastoral desde 1985. Um dos documentos entregue foi a relação de Assassinatos e Julgamentos de 1985 a 2009. Até 2010, foram assassinadas 1580 pessoas, em 1186 ocorrências. Destas somente 91 foram a julgamento com a condenação de apenas 21 mandantes e 73 executores. Dos mandantes condenados somente Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, acusado de ser um dos mandantes do assassinato de Irmã Dorothy Stang, continua preso.

As mortes no campo podem se intitular de Crônicas de mortes anunciadas. De 2000 a 2011, a CPT tem registrado em seu banco de dados ameaças de morte no campo, contra 1.855 pessoas. De 207 pessoas há o registro de terem sofrido mais de uma ameaça. E destas, 42 foram assassinadas e outras 30 sofreram tentativas de assassinato. 102 pessoas, das 207, foram ou são lideranças e 27 religiosos ou agentes de pastoral.

O que se assiste em nosso país é uma contra-reforma agrária e é uma falácia o tal desmatamento zero. O poder do latifúndio, travestido hoje de agronegócio, impõe suas regras afrontando o direito dos posseiros, pequenos agricultores, comunidades quilombolas e indígenas e outras categorias camponesas. Também avança sobre reservas ambientais e reservas extrativistas. O apoio, incentivo e financiamento do Estado ao agronegócio, o fortalece para seguir adiante, acobertado pelo discurso do desenvolvimento econômico que nada mais é do que a negação dos direitos fundamentais da pessoa, do meio ambiente e da natureza. Isso ficou explícito durante a votação do novo Código Florestal que melhor poderia se denominar de Código do Desmatamento. Além de flexibilizar as leis, a repugnante atitude dos deputados ruralistas, que vaiaram o anúncio da morte do casal, vem reafirmar que o interesse do grupo está em garantir o avanço do capital sobre as florestas, pouco se importando com as diferentes formas de vida que elas sustentam e muito menos com a vida de quem as defende. A violência no campo é alimentada, sobretudo, pela impunidade, como se pode concluir dos números dos assassinatos e julgamentos. O poder judiciário, sempre ágil para atender os reclamos do agronegócio, mostra-se pouco ou nada interessado quando as vítimas são os trabalhadores e trabalhadoras do campo.

A morte é uma decorrência do modelo de exploração econômica que se implanta a ferro e fogo. Os que tentam se opor a este modelo devem ser cooptados por migalhas ou promessas, como ocorre em Belo Monte, silenciados ou eliminados.

A Coordenação Nacional da CPT vê que na Amazônia matar e desmatar andam juntos. Por isso exige uma ação forte e eficaz do governo, reconhecendo e titulando os territórios das populações e comunidades amazônidas, estabelecendo limites à ação das madeireiras e empresas do agronegócio em sua voracidade sobre os bens da natureza. Também exige do judiciário medidas concretas que ponham um fim à impunidade no campo.


Goiânia, 30 de maio de 2011.
A Coordenação Nacional da CPT



Nota do blog: Assistam abaixo a um vídeo com o depoimento de José Claudio Ribeiro da Silva, extrativista castanheiro, assassinado com sua esposa no dia 24 de maio na cidade paraense de Nova Ipixuna.



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Comentários

Fala de Maria do Rosário frustra a luta pelos direitos humanos na Amazônia

Ainda que sincera, soou decepcionante, e até mesmo frustrante, a fala da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário afirmando que o Estado brasileiro não consegue proteger nem 30 dos 165 casos mais urgentes de pessoas ameaçadas de morte no âmbito dos conflitos agrários no pais.

Esses nomes integram uma lista ainda maior, entregue ontem, pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) à ministra, com 1.855 nomes de pessoas que foram ameaçadas em conflitos agrários nos últimos dez anos. Desse total, 207 pessoas receberam ameaças repetidas vezes e, delas, 42 já foram mortas. Os 165 nomes restantes ainda estão vivos e necessitam de proteção.

A vulnerabilidade dessas pessoas é evidente e é preciso dizer que, por meio do seu ativismo, elas estão na linha de frente de questões do mais puro interesse nacional, como a da sustentabilidade da floresta amazônica; da valorização da agricultura familiar frente ao poder corruptivo do agronegócio; da defesa dos direitos indígenas, quilombolas e ribeirinhos; do enfrentamento da grilagem e da defesa do direito à terra e ao direito de trabalhar e produzir.

O ativismo dessas pessoas constitui um patrimônio simbólico para o país. Elas estão onde o Estado não está, fazendo o que o Estado não consegue fazer. Protegê-las é uma questão maior, porque, numa dimensão, elas concretizam o que muitos brasileiros desejam e não podem fazer e, em outra dimensão, elas representam, para o mundo todo, o que o país deseja ter – e não tem – de comprometimento e seriedade para com seus biomas naturais e para com a garantia dos direitos civis.

Sabe-se bem dos fatores limitadores do Estado. São necessários oito homens para fazer a escolta de cada pessoa ameaçada. Compreende-se também a dimensão estrutural dos problemas agrários, particularmente dos problemas fundiários. Porfim, nenhum brasileiro desconhece a precariedade do seu sistema judicial. Porém, não é razoável vir a público para dizer que o Estado não tem condições de enfrentar o problema.

E parece ser uma insensibilidade, no mínimo, fazer uma afirmação dessas na semana seguinte a quatro assassinatos de ativistas na Amazônia. Ademais de soar incongruente esse nada-fazer-nada-poder logo após a divulgação de que o Planalto instalou uma comissão para enfrentar os conflitos agrários na região. Então a comissão não se propõe a nada? Não decide, não serve para nada?

Como se sabe, a escolta policial para os jurados de morte é apenas uma medida parcial. O problema não se resume a isso. Ocorre que a declaração de Maria do Rosário simplifica essa dimensão da questão e desloca o assunto para um ponto que não é central no debate sobre os conflitos agrários.

O que nós, da Amazônia, queremos saber é bem mais que isso. Queremos saber que medidas o Governo Federal pretende adotar para ampliar a ação das defensorias agrárias na região? Que medidas tomará para fazer com que os estados acelerem seus Zoneamentos Econômicos e Ecológicos, condição para uma radiografia mais precisa dos espaços rurais? Que políticas de desenvolvimento territorial pretende implementar nas áreas mais conflitivas do espaço rural brasileiro? Que soluções pode oferecer para dirimir as lacunas da justiça nos territórios rurais amazônicos? E, sim, porque isso também é essencial, que solução adotará para proteger a vida desses ativistas que, em última instância, fazem o que o Estado deixa de fazer?