Façamos novo o ano vindouro


Por Cléber Sérgio de Seixas


Em todo fim de ano o mantra se repete: exortações à paz, votos de um ano novo próspero e cheio de realizações, promessas de fazer do fim um novo começo, de perdoar as ofensas e pedir perdão. De certa forma, dependerá de nós se haverá novidade ou não no ano que se inicia.

O viver humano é, também, uma confluência de fatores alheios à nossa vontade, mas isso não deve ser um convite ao abandono da busca por protagonismo. Se somos obras do acaso, resultantes de séculos de evolução biológica, ou se somos obra prima divina, em essência idênticos até hoje ao primeiro de nossa espécie, ambas as hipóteses não podem nos convidar ao fatalismo nem à crença de que nada podemos fazer para alterar nosso futuro.

O ano que se aproxima é tanto uma vidraça translúcida através da qual vislumbramos possibilidades, como um espelho onde é possível nos contemplarmos e vermos como estamos e quem temos sido. Ao passo que nos vemos - nossa face marcada pelos anos, nossas certezas e incertezas ultrapassadas pela experiência, nossos medos superados ou aumentados pelas agruras cotidianas -, enxergamos oportunidades, mais chances de acertar, de errar e de prosseguir.

De que adiantam as promessas e esperanças para o período de 365 dias que se aproxima se nós mesmos fizermos velho o porvir e nosso olhar ainda fitar o que passou, tornando nossos passos vacilantes entre o que foi e o que poderá ser? Como esquecermos o que ficou para trás, se as perdas e conquistas passadas se constituírem em raízes que nos prendem os pés ao chão? Como caminhar se as mesmas nos fincam no solo?

Que, então, tenhamos certo o destino e percorramos o trajeto desenraizando os caminhos. E o caminho se faz caminhando. Saibamos que os planos surgirão no percurso, desaparecerão na próxima bifurcação ou serão alterados tão logo nos deparemos com outros caminheiros, pois a vida é um entrecruzar dos projetos pessoais com os alheios.

Alguém já afirmou que não nascemos prontos. De fato, nossa formação se faz em interação com o outrem e com o que nos cerca. Passaremos pela vida e é provável que terminemos nossos dias ainda imperfeitos. Somos inacabados por natureza e é nisso que reside nossa singularidade. É o sentimento de inconclusão que nos impulsiona adiante - mola propulsora em direção ao desconhecido, tomado aqui como sinônimo de novidade.

Um pássaro já nasce com a habilidade para o vôo e, no momento adequado, a utilizará em prol de sua sobrevivência, assegurando que ele e sua descendência continuem rasgando o céu pelas próximas gerações. À medida que o tigre crescer, suas garras e presas tornar-se-ão mais letais para que a natureza predatória do felino lhe garanta a supremacia na cadeia alimentar e a sobrevivência de sua espécie. E nós, animais humanos? Não somos dotados de asas nem tampouco de garras e dentes poderosos, no entanto, somos os mais temíveis entre os predadores e o céu há muito deixou de ser nosso limite.

A superioridade humana reside no fato de que somos a única espécie que aprendeu a acumular conhecimento. Se o acúmulo de conhecimento auferido pelo homem garante sua supremacia como espécie, enquanto indivíduos como temos lidado com as experiências acumuladas? Se elas têm servido para nos aperfeiçoar e nos tornar melhores, evoluímos. Se, pelo contrário, tivermos sido atropelados pelos fatos e pela natureza, regredimos.

Num artigo intitulado Criatividade, Rubem Alves assim se manifesta: “Os animais, acabados. Nós, inacabados. Os animais, perfeitos. Nós, imperfeitos. Os animais felizes, nós infelizes. Os animais, não precisando criar. Nós, obrigados a criar”. Somos assim. Nossa incompletude nos convida constantemente à criação. Não nos bastamos em nós mesmos, por isso buscamos desafiadoramente o novo.

Em seu Assim Falava Zaratustra, Friedrich Nietzsche apresenta o homem como um percurso entre o atraso e a evolução: “O homem é corda estendida entre o animal e o Super-homem: uma corda sobre um abismo; perigosa travessia, perigoso caminhar, perigoso olhar para trás, perigoso tremer e parar”. Não somos o destino, mas a travessia. A vida humana é a mais perigosa e fascinante das aventuras. Em tal caminhada, Nietzsche nos orienta a não tremer, parar ou olhar para trás, haja vista que todas estas ações nos fazem perder o equilíbrio e cair.

Prossigamos, portanto, nessa longa, insegura, mas prazerosa jornada rumo ao desconhecido que é o viver humano. E que nós mesmos façamos novo e feliz o ano vindouro. Que não confiemos nos desígnios do destino nem nos vaticínios dos que se declaram profetas. Se porventura não concordarmos com as previsões do Zodíaco, reconfiguremos o mapa astral e tiremos de nossa rota a estrela que porventura esteja entre nós e o nosso destino.

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- Carpe diem;
- Mudando estrelas de lugar

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