A saga de Palmares
Por Cléber Sérgio de Seixas
Há precisamente 317 anos era sufocada a mais longa rebelião escrava da história: a do Quilombo dos Palmares. O nome Palmares vem do tipo de árvore que predominava na região: as palmeiras. Já o vocábulo quilombo (do banto kilombo) quer dizer “sociedade guerreira com rigorosa disciplina militar”.
Palmares constituíra um Estado dentro do Estado, quase independente da estrutura do Brasil colônia. Situava-se numa região onde hoje se localiza a divisa entre Pernambuco e Alagoas. No seu auge, chegou a abrigar 20 mil habitantes, em sua maioria escravos fugidos dos engenhos de cana-de-açúcar da região. Dada a pujança da produção de alimentos no quilombo, o excedente era freqüentemente utilizado como moeda de troca na obtenção de armas e munições.
O primeiro governante de Palmares foi Ganga Zumba. Em 1678, ele fez um acordo de paz em virtude dos constantes conflitos envolvendo os fazendeiros da região e os habitantes do quilombo. Descontentes com tal acordo, os palmarinos teriam asssassinado Ganga Zumba. Em seu lugar assumiu Zumbi.
No dia 6 de fevereiro de 1694, o Quilombo de Palmares era destruído pelo bandeirante Domingos Jorge Velho e suas tropas. No mês de novembro do ano seguinte, Zumbi também seria morto pelos bandeirantes.
Sobre a saga de Palmares, cito um trecho de As Veias Abertas da América Latina. A lucidez de Eduardo Galeano compensa a extensa citação:
“Porém, tempos antes dos djukas, os escravos quilombolas do Brasil haviam organizado o reino negro de Palmares, no nordeste do Brasil, e vitoriosamente resistiram, durante todo o século XVII, ao assédio das dezenas de expedições militares que se lançaram para abatê-lo, uma atrás da outra, os holandeses e portugueses. As investidas de milhares de soldados nada podiam contra as táticas guerrilheiras que tornaram invencível, até 1693, o vasto refúgio. O reino independente dos Palmares – convocatória à rebelião, bandeira da liberdade – havia-se organizado como um Estado ‘à semelhança de muitos que existiam na África no século XVII’. Estendia-se desde as vizinhanças do Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, até a zona norte do rio São Francisco, em Alagoas: equivalia à terça parte do território de Portugal e estava rodeado por espesso cerco de selvas selvagens. O chefe máximo era eleito entre mais hábeis e sagazes: reinava o homem ‘de maior prestígio e felicidade na guerra ou no mando’. Em plena época das plantações açucareiras onipotentes, Palmares era o único lugar do Brasil onde se desenvolvia a policultura. Guiados pela experiência adquirida por eles mesmos ou por seus antepassados nas savanas e nas selvas tropicais da África, os negros cultivavam o milho, a batata, os feijões, a mandioca, as bananas e outros alimentos. Não é em vão que a destruição dos cultivos fosse o objetivo principal das tropas coloniais lançadas para recuperar os homens que, depois da travessia do mar com correntes nos pés, haviam desertado das plantações.
A abundância de alimentos de Palmares contrastava com as penúrias que, em plena prosperidade, padeciam as zonas açucareiras do litoral. Os escravos que haviam conquistado a liberdade a defendiam com habilidade e coragem porque compartiam seus frutos: a propriedade da terra era comunitária e não circulava o dinheiro no estado negro. ‘Não figura na história universal nenhuma rebelião de escravos não prolongada quanto a de Palmares. A de Espartaco, que comoveu o sistema escravagista mais importante da Antiguidade, durou 18 meses. Para a batalha final, a Coroa Portuguesa mobilizou o maior exército conhecido até muito tempo depois da independência do Brasil. Nada menos de dez mil pessoas defenderam a ultima fortaleza de Palmares; os sobreviventes foram degolados, lançados pelos precipícios ou vendidos aos mercadores do Rio ou de Buenos Aires. Dois anos depois, o chefe Zumbi, a quem os escravos consideravam imortal, não pôde escapar à traição. Encurralaram-no na selva e cortaram-lhe a cabeça. Porém as rebeliões continuaram. Não passaria muito tempo para que o capitão Bartolomeu Bueno do Prado regressasse do rio das Mortes com seus troféus da vitória contra uma nova sublevação de escravos. Trazia três mil e novecentos pares de orelhas nos alforjes dos cavalos.”
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