Mulheres e o Primeiro de Maio



Por Míriam Pacheco da Silva Seixas

Nesse Primeiro de Maio é relevante uma abordagem acerca do papel da mulher no mundo do trabalho, sobretudo no atual cenário em que velhos preconceitos contra o sexo feminino ainda persistem. 

Como integrantes da classe trabalhadora as mulheres tiveram muitas conquistas, porém, nesses últimos anos, houve muitas perdas de direitos que foram conquistados à custa de muita luta. Nesse feriado as mulheres têm muito mais lutas a travar para reaver direitos subtraídos, e pouco a comemorar. Neste texto proponho refletir sobre as mulheres no mercado de trabalho e o quanto precisam lutar para conquistar novos espaços.

Nesses tempos de tantas mudanças, ainda é preciso destruir o mito da mulher como ser sentimental e do homem como ser racional. Nossa sociedade se orienta por códigos culturais e construiu o que é “ser homem” e o que é “ser mulher”, além de definir o papel a ser exercido por cada um na hierarquia social. Além disso, com base patriarcalista fundamentada, sobretudo, no sistema econômico hora vigente, define os papéis, habilidades e competências de homens e mulheres. Convencionou-se socialmente que os homens são dominantes, racionais, e as mulheres, sentimentalistas e menos qualificadas à tomada de decisões pelo simples fato de serem mulheres. Ou, ainda, utiliza-se da biologia para justificar a diferenciação de homens e mulheres para o mercado de trabalho. Segundo o francês Christophe Dejours, Doutor em Medicina, psiquiatra e psicanalista, a desqualificação feminina muito se deve a uma suposta existência de uma natureza feminina e outra masculina, ambas de determinação biológica. Noutros termos, a anatomia  e o sexo biológico justificariam as habilidades femininas. 

O mercado de trabalho dividiu os trabalhadores segundo classe, raça e gênero. Essa divisão amplia a exploração dos trabalhadores, de forma que eles não percebam que estão sendo divididos para serem explorados. Tal divisão, de maneira quase espectral, também camufla a desvalorização financeira e a desqualificação intelectual dos indivíduos. Na divisão do trabalho, essa desvalorização e desqualificação é exponenciada na categoria gênero. O mercado de trabalho oprime e segrega a mulher de forma pouco sútil, não sendo raros os casos de mulheres competentes e estudadas que não ascendem na carreira laboral ou não são remuneradas à altura da formação em decorrência do machismo arraigado no mundo do trabalho. Em contrapartida, os representantes do sexo masculino são os mais agraciados quando se trata de promoções e valorização profissional.

A mulher desempenha na economia um papel ativo (apesar de pouco reconhecido), pois muitas são as chefes de família. Famílias que muitas vezes só têm a mulher como provedora. Em tempo: nada mais justo que neste período de pandemia da Covid-19 as mulheres sejam contempladas com uma renda emergencial, que faça jus a este protagonismo social. Atualmente, poucos são os lares cuja renda familiar provém apenas dos homens. Em sua grande maioria, as famílias contam com a renda da mulher. Muitos homens não assumem o papel de pais, não vivem a paternidade e deixam a gestão educacional dos filhos única e exclusivamente a cargo da mulher. Geralmente, os pais são pouco solidários, pouco participativos, cabendo às mães, por conseguinte, todos os aspectos do cuidado e educação dos filhos. Não é temerário afirmar que toda mulher é mãe solteira sem saber que é. Existem exceções, não se pode generalizar. Mas, por vivermos numa sociedade patriarcal, na maior parte das vezes cabe à mulher o cuidado dos filhos e da casa. 

Culturalmente, reserva-se à mulher o papel de cuidadora do lar e da família, e ao homem se incumbe a provisão econômica. Noutras palavras, cabe ao homem “entrar com o dinheiro” e à mulher os afazeres domésticos e o cuidado da prole. Não são raros os casos em que se convenciona que a renda da mulher que trabalha fora seja totalmente destinada à manutenção das necessidades da prole: pagamento de mensalidades escolares, compra do vestuário dos filhos, enxoval da casa, utensílios de cozinha, etc. A propósito dos utensílios de cozinha, o marketing de tais produtos é sempre direcionado ao sexo feminino, denotando que “cozinha é coisa de mulher”. As profissões predominantemente ocupadas por mulheres são aquelas relacionadas ao cuidado, a exemplo de    enfermeiras, professoras, pedagogas, psicologas, assistentes sociais, gestoras de recursos humanos, dentre outras. Por outro lado, áreas como engenharia, construção civil, aviação civil (pilotos), dentre outras, tem quadros majoritariamente masculinos. Isso demonstra a desigualdade que o mercado de trabalho impõe à mulher e a consequente diferenciação salarial. Há quem diga que mulher deve receber menos por que engravida, ou que a concepção de um indivíduo do sexo feminino resulta de uma “fraquejada” durante o intercurso sexual, pérolas de um machismo tão disseminado em nossa cultura.

Lembro de há vinte e um anos, quando estava prestes a casar, ouvir o seguinte aconselhamento: “Você não vai ajudar a comprar os móveis para sua casa porque isso é papel do homem. O homem deve ser o provedor da família”. Esse discurso se deu no âmbito evangélico do qual eu fazia parte naqueles tempos. Ainda que não concordasse, preferi silenciar a argumentar. Hoje, não sendo mais uma pessoa religiosa, e ainda com uma tendência política progressista e de viés feminista, discordo totalmente de tal argumentativa e prefiro não mais me silenciar. 

Nós, mulheres, temos vez e voz, e devemos assumir o protagonismo da nossa história. Somos tanto provedoras quanto cuidadoras. Somos estudantes, mães, trabalhadoras, líderes comunitárias e estamos nas ruas e ocupando cargos políticos. Estaremos onde quisermos estar.

Somos nós as que temos dias de trabalho mais longos que os homens, pois à jornada laboral do emprego se somam extenuantes jornadas de trabalho no lar. Mesmo estando empregadas, continuamos a realizar a maior parte das tarefas domésticas e somos obrigadas a assumir cuidados com a família, filhos e netos. A divisão do trabalho doméstico ainda é com foco na mulher, que realiza a maior parte, senão todas as tarefas do lar. Segundo Davis (2016, p. 226, 228):

(…) as atitudes sociais predominantes continuam a associar a eterna condição feminina a imagens de vassouras e pás de lixo, esfregões e baldes, aventais e fogões, vasilhas e panelas. E é verdade que o trabalho da mulher, de uma era histórica a outra, tem sido geralmente associado ao ambiente doméstico. (…) No fim das contas, a dona de casa, de acordo com a ideologia burguesa, é simplesmente a serva de seu marido para a vida toda.

O discurso de que o homem ajuda nas tarefas domésticas também precisa ser desconstruído. Não se trata de ajuda, mas de cooperação nos afazeres do lar para o bem-estar de todos os que nele habitam. Faz-se imperioso descontruir o termo “ajuda” nesse contexto, pois não é função única e exclusiva da mulher o cuidado e a limpeza da casa, mas obrigação de todos. Afinal de contas, a realidade é que a mulher tem sua renda e investe na família tanto quanto ou mais do que os que com ela coabitam.

Ainda ocupamos poucos cargos de chefia ou de comando, temos pouca representatividade no ambiente político. Precisamos mudar essa realidade. Temos que estar e ocupar todos os espaços, bem como discutir a importância do empoderamento feminino em todas as áreas. A nossa luta por justiça e igualdade ainda é muito grande, e cabe a nós apoiar aquelas que conquistaram e ocuparam lugares de destaque e que nos representam. 

Se o Primeiro de Maio remonta a lutas por melhores condições laborais e de remuneração, sua celebração não deve prescindir de uma reflexão acerca da inserção da mulher no mundo do trabalho, inserção esta ainda marcada por preconceitos, sexismos e desigualdades. Assim, urge contar com a ação de mulheres intelectuais, sindicalistas, feministas e progressistas. 


Citação bibliográfica:

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Tradução de Heci Regina Candiani. 1.ed. São Paulo: Boitempo, 2016.  

Comentários