A crise capitalista que se arrasta



Por Jeferson Malaguti Soares *


Primeiramente, é importante que diferenciemos “crise estrutural” da “crise conjuntural”. Estrutura é tudo aquilo que dá sustentação à uma edificação ou à uma tese. Conjuntura é o que pode modificar, abalar, desmontar  uma estrutura. A crise do capital, quando estrutural, decorre de uma condição que ela mesma criou no bojo da organização do seu sistema econômico-financeiro, como falta de lastro, por exemplo, fruto do desequilíbrio de sua balança comercial, quando as importações são muito maiores que as exportações, gerando um déficit comercial crônico, o qual acarreta uma dívida externa galopante. Outra variável refere-se à dívida interna, gerada por serviços que o governo não consegue resgatar com as receitas obtidas, obrigando o país a emitir moeda a fim de cumprir com seus compromissos, com consequente geração de inflação e desvalorização da moeda corrente.

A crise financeira conjuntural, como o nome indica, depende de circunstâncias, que podem ser geradas interna ou externamente, após sua estruturação. A atual em vigor desde 2005 começou em função do uso do capital apenas pelo capital, apenas para o rentismo, pelos rendimentos financeiros que ele poderia gerar e não pela produção de bens de consumo. Teve inicio no que foi chamado de “bolha financeira” imobiliária nos EUA. Aliás, todas as crises econômico-financeiras desde o final do século 18 até hoje, foram geradas pela economia estadunidense. Uma bolha financeira é uma espiral especulativa de um ativo, desvirtuando seu real valor em um valor de especulação econômica. Quando os preços desses ativos caem repentinamente devido, principalmente, ao desequilíbrio entre a oferta e a procura, essa bolha explode numa grande crise. Os EUA então trataram de “exportar” a crise, como alguém que culpa a outrem pelas próprias mazelas, afetando tanto a economia de outros países a ponto de enfraquecer suas soberanias.

A soberania nacional é um exercício que se pratica à exaustão. Não existe avanço no crescimento de um país sem políticas claras e rígidas de incentivo à ciência e à tecnologia, sem a defesa de seus cientistas políticos, sociais e tecnológicos, e suas conquistas. Para tanto há que se ter um lastro econômico e financeiro considerável. Com a crise esse lastro vai se esvaziando, diminuindo, haja vista precisa ser canalizado também para outros setores da economia, a fim de não a estagnar.

Se não incentivarmos nossos artistas, artesãos, trabalhadores, cientistas, operários, e não os instrumentalizarmos visando o construtivismo nacional, o país nunca sairá desta situação de eterno subjugado por uma economia internacional que não necessariamente é a sua realidade. Há que se reconstruir um novo país. Renascer. E como se faz isso? Através da educação.

No Brasil, apesar dos ensinamentos do patrono de nossa educação, Paulo Freire, continuamos brincando de Educação Integral, acreditando que integral é deixar a criança o dia inteiro na escola.  Insistimos em desconhecer que a educação integral integra, como o próprio nome a indica, educar física, intelectual e politecnicamente o cidadão, a fim de que ele possa conhecer a si mesmo e ao seu país. O estudo do trabalho, da prática social e econômica, o domínio das bases da indústria moderna e a formação profissional são o alicerce para a construção da soberania nacional. O escudo de um país contra os ataques estrangeiros à sua economia são a sabedoria e a força de seu povo. E o escudo do povo são os livros, a instrução, o conhecimento, e a imaginação e a preservação de sua cultura.

O princípio básico do opressor é manter o oprimido feliz apesar de sua pouca sorte; é mantê-lo ignorante de sua condição de oprimido; é fazê-lo crer que é protagonista de sua existência, quando na verdade ele é apenas coadjuvante. E assim a crise vai se arrastando.

Não podemos continuar vivendo apenas de conceitos, e pior, de conceitos que sequer conseguimos colocar em prática. Precisamos começar a vivenciar os fatos que nos cercam e que nos corrompem. Precisamos ser reais, realistas, e começar a revolução por nós mesmos. Revolucionemos nossas vidas.

Espero, sinceramente, que a desilusão não nos cegue, e que a esperança continue a nos seguir. Reconhecer o valor da vida humana significa renegar uma economia de exclusão e de desigualdade social, uma economia que mata, que considera o ser humano como um bem de consumo, uma economia que nada produz a não ser desesperança.

No capitalismo, como o nome indica, o capital é tido como um poder pessoal, individual, quando na verdade, deveria ser um poder social, como acontece no socialismo. O capital não pode ser característica de classes sociais diferentes. Deve estar a serviço do social, da sociedade como um todo. O caráter do capital deve ser intrinsecamente socialista, socializado. Deve estar a serviço do social e não se servir dele. Só assim as crises serão extintas, pois elas são paridas exclusivamente pelo capitalismo selvagem e desumano.

Conclusão

O atual (dês)governo que nos assola está tratando de desestruturar a democracia conseguida a duras penas. Não se trata de uma conjuntura nacional, mas de uma necessidade internacional. Nossas riquezas cresceram aos olhos do capital estrangeiro, e a única maneira dele se apossar do que é nosso é desestruturando a economia nacional e fazendo sucumbir a soberania do país. Para isso o poder extraordinário do capitalismo corrompeu nossos Três Poderes da República, a mídia, boa parte da classe média, as Forças Armadas e as federações das indústrias dos estados.  É um grande complô contra o povo e a nação brasileira. Nada estrutural nem conjuntural, mas proposital.


Referências Bibliográficas

- Marx, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto Comunista: Boitempo, 2010

- Bertolino, Osvaldo; Monteiro, Adalberto.  100 Anos da Revolução Russa: Anita Garibaldi, 2017

- Monteiro, Adalberto; Palácio,Fábio. Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Nacional: Anita Garibaldi ,2010

- Hecker, Rolf.  Marx como Pensador. Anita Garibaldi, 2011

- Bevilaqua, Aluisio Pampolha. A Crise Orgânica do Capital: O valor, a Ciência e a Educação. Volume I: UFC Edições e Inverta, 2017.

- Freire, Paulo.  Pedagogia do Oprimido: Paz e Terra, 1974.

- Menezes, Cynara. Zen Socialismo. Geração, 2015.



* Jeferson Malaguti Soares é administrador de empresas graduado pela FACE/UFMG em 1972, pós-graduado pela FGV/RJ e ex-professor universitário. Milita na esquerda desde 1969, quando se filiou ao antigo MDB.

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