Carta Testamento de Getúlio


Por Jeferson Malaguti Soares *

A Carta Testamento do Presidente Getúlio Vargas (1882-1954), escrita por ele, solitariamente, na noite de seu suicídio, ocorrido em 25 de Agosto de 1954, portanto há 63 anos, descreve do que as forças do imperialismo capitalista são capazes, não só para defenderem seus privilégios, como também para ampliá-los. Abaixo transcrevo, literalmente, a carta deixada sobre sua mesinha de cabeceira, juntamente com a caneta que usou para assiná-la. Interessante notar que o então Ministro da Justiça e Negócios Interiores, Tancredo de Almeida Neves, presente no Palácio do Catete no momento da tragédia, tenha se apoderado da caneta e divulgado para a imprensa apenas a frase final da carta: “saio da vida para entrar na história”. Apesar das loas que a mídia tupiniquim lhe concede, na verdade Tancredo nunca fez qualquer coisa que trouxesse benefício ao país ou a Minas. Teve sorte de sempre estar no lugar certo na hora certa, para sempre se apropriar da história alheia. Vamos à carta:

“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam; e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o povo seja independente. Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo e renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”.

Qualquer semelhança com 1964 e 2016 não é mera coincidência. 

A classe dominante da época nada tinha de diferente da atual. O crescimento da esquerda assusta e intimida a burguesia, acostumada a defender apenas os próprios direitos e interesses. O golpismo está no DNA dessa elite, cuja estrutura molecular seleciona dentro da estratificação social quem é um igual a ela e os diferentes; perigosos concorrentes na cadeia do capitalismo selvagem. Não se trata de uma ignorância histórica daquela classe, mas de uma defesa intransigente e irracional do fato de que somente ela tem direito ao poder, à riqueza e aos benefícios que dela se extrai. Não é e nunca foi uma questão política, trata-se de uma questão de classe social e uma necessidade doentia de agradar os donos do capital imperialista.

Em 1954 o perdedor que não aceitava a derrota era o deputado Carlos Lacerda. Hoje, o perdedor inconformado é Aécio Neves da Cunha, neto do insípido Tancredo.

* Jeferson Malaguti Soares é administrador, consultor de empresas, Secretário de Formação do PCdoB Ribeirão das Neves e colaborador deste blog.

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