Danuza e a elite conservadora



Por Cléber Sérgio de Seixas

Há cerca de dois anos foi inaugurado o Shopping Boulevard na região dos bairros Floresta e Santa Efigênia, em Belo Horizonte. Quando da inauguração do empreendimento, alguns colegas de trabalho que foram ao evento afirmaram que o shopping era excelente, mas mal freqüentado. Segundo eles, o shopping “só tinha favelado”. A opinião desses meus nobres colegas de trabalho – indivíduos de classe média – aumenta o coro dos descontentes com o processo iniciado em 2003, que redundou na retirada de milhões de brasileiros da pobreza e na conseqüente inserção dos mesmos na classe média. Tal processo é conseqüência direta de um maior índice de empregos formais e de ganhos reais no salário mínimo.

A classe média, como o próprio nome indica, é limítrofe das classes rica e pobre e, apesar da elasticidade presente nos critérios de definição do termo, atualmente divide-se em baixa classe média, média classe média e alta classe média (SAE, 2012). Ainda segundo a SAE (2012), 50% dos brasileiros situa-se na faixa de renda que os classifica como pertencentes à classe média.

 Fonte: SAE (2012)

Importa dizer que muitos indivíduos, ao ingressar na classe média, imbuem-se das mesmas concepções, preconceitos e aspirações da classe economicamente superior, ou seja, da classe rica, a que alguns chamam de elite. Nossa elite é uma das mais atrasadas do mundo, para quem a jactância tem um fim em si mesma.
Enquanto em países como Japão, Alemanha e França a elite não vê problemas em utilizar o transporte público para ir ao trabalho ou fazer atividades corriqueiras como a faxina na residência, por aqui nossos ricos procuram manter distância de tarefas consideradas não nobres e dos locais freqüentados pelos mais pobres, a exemplo do que ocorreu em São Paulo em 2011, quando um grupo de moradores de Higienópolis, capital paulista, se posicionou contra a instalação de uma estação do metrô na Avenida Angélica, uma das principais do elegante bairro paulistano. Na época, houve quem especulasse que a construção da estação do metrô atrairia para a região de Higienópolis “uma gente diferenciada”.

A mesquinhez de nossa classe mais abastada normalmente permanece encoberta. Constatada a ascensão de massas consideráveis de indivíduos das classes inferiores, emergem dos recônditos os mais execráveis sentimentos em relação aos que ascendem.

O preconceito de nossas elites veio novamente à tona no dia 25 de novembro do corrente ano, quando um artigo intitulado “Ser especial”, de autoria da jornalista Danuza Leão foi publicado no jornal Folha de São Paulo. No artigo, Danuza externalizava sua preocupação com o acesso de pessoas de menor renda a itens de consumo antes restritos ao universo dos mais ricos. Saudosa dos tempos da Casa Grande e da Senzala, a “socialite” carioca afirmava em seu texto que “se todo mundo fosse rico, a vida seria um tédio”. Em outro trecho do supracitado artigo, Danuza deixa claro que quer distância dos pobres: “Maracanã nunca mais, Carnaval também não, e ver os fogos do dia 31 na praia de Copacabana, nem pensar. Se todos têm acesso a esses prazeres, eles passam a não ter mais graça”.

Danuza foi modelo e esposa de Samuel Wainer, jornalista fundador e editor-chefe do jornal Última Hora, um dos poucos órgãos de imprensa favoráveis a governos populares como os de Getúlio Vargas e Jk, nos idos de 50, e de João Goulart, nos fatídicos anos 60. É também irmã da falecida Nara Leão, cantora que era considerada a musa da Bossa Nova.

Danuza não está sozinha em suas opiniões conservadoras. Pesquisa realizada no primeiro trimestre de 2011 pelo Instituto Data Popular, explicitou o conservadorismo de nossa classe média tradicional. A pesquisa constatou que 48,4% dos indivíduos de tal classe acham que a qualidade de alguns serviços piorou depois que passaram a ser acessíveis à nova classe média. Segundo o mesmo estudo, 55,3% dos entrevistados consideram que as empresas deveriam oferecer produtos diferenciados para ricos e pobres. Além disso, a pesquisa detectou que 49,7% dos entrevistados preferem ambientes freqüentados por pessoas de seu mesmo nível social. Para 16,5% dos entrevistados, pessoas malvestidas deveriam ser barradas em determinados estabelecimentos, e para 26,4% a presença de estações do metrô aumenta a presença de pessoas indesejáveis em determinadas regiões (CARTA CAPITAL, 2011).

A presença da nova classe média em ambientes antes restritos ao mais endinheirados ameaça o exclusivismo e o exibicionismo de nossa atrasada burguesia, na mentalidade desta. Para ela, pobres em aeroportos causam overbooking, acessando a internet ocasionam sobrecarga na rede, frequentando hotéis de cinco estrelas desprestigiam os estabelecimentos, dirigindo seus carros nas auto-estradas provocam acidentes, nos cinemas aumentam o tamanho das filas, estudando nas faculdades federais diminuem a qualidade do ensino e nos shopping centers poluem a paisagem.

As “invasões bárbaras” incomodam nossa elite, que apela a bonecos de ventríloquos como Danuza Leão. Ela nada mais é do que a boca que fala pelas elites descontentes com as mudanças sociais postas em movimento por governos progressistas.

Quando alguém disser que em determinado lugar só tem “gente feia”, entenda-se que se trata de um eufemismo para gente pobre, preta e mal vestida. Para nossa atrasada burguesia, gente assim deve ficar escondida e/ou restrita “ao seu lugar”.

Como se depreende, a luta de classes é uma coisa que só existe na cabeça de meia dúzia de comunistas.

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Referências bibliográficas

SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Perguntas e Respostas sobre a Definição da Classe Média. Brasília, 2012. Disponível em:
http://www.sae.gov.br/site/wp-content/uploads/Perguntas-e-Respostas-sobre-a-Defini%C3%A7%C3%A3o-da-Classe-M%C3%A9dia.pdf . Acesso em: 02 dez. 2012.

Carta Capital. Nova classe média incomoda parte da velha classe média, aponta Data Popular. 2011. Disponível em: 
http://www.cartacapital.com.br/economia/nova-classe-media-incomoda-a-velha-classe-media-aponta-data-popular Acesso em: 02 dez. 2012.

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