Ciência, ideologias e religiões - um projeto de vida ou morte

Por Jeferson Malaguti Soares

Vivemos hoje uma era tecnológica, com descobertas de cura para varias doenças, que há 200 anos eram consideradas incuráveis. Isto nos encaminha para a amortalidade. Não confundam com imortalidade, finitude. Dentro de algumas décadas poderemos nos tornar amortais (não imortais, porque ainda poderíamos morrer em decorrência de algum acidente, mas amortais, o que significa que, na ausência de um trauma fatal, nossa existência poderá ser prolongada ad infinitum) . Métodos de esterilização inexistentes até a idade média, comprimidos, injeções e operações sofisticadas nos salvam de uma quantidade enorme de doenças e ferimentos que outrora significavam uma inexorável sentença de morte. Até vacina para um tipo de câncer (de pulmão)  já foi desenvolvida por médicos em Cuba.

Atualmente a  ciência já nos convenceu de que aquilo que determina a vida, o comportamento humano, são os hormônios, genes e os mediadores químicos ou neurotransmissores, e não o livre-arbítrio. É bem verdade que as religiões tentam varrer para debaixo do tapete  tais descobertas inconvenientes aos seus dogmas. Mas até quando poderão manter um muro entre a biologia e suas crenças, suas doutrinas?

Até os dias de hoje é cultural ver a pobreza como parte hodierna do mundo imperfeito em que vivemos. As religiões têm como suporte a vitimização pela pobreza. “Os pobres herdarão o reino dos céus” 
(Lucas 6:20). “Os pobres tereis sempre convosco, mas a mim, nem sempre me tendes” (Marcos 14:7), disse Jesus defendendo uma mulher que untou seu corpo com um bálsamo caríssimo após a crucificação, e que fora repreendida pelos discípulos por gastar tanto dinheiro quando poderia tê-lo direcionado aos pobres. Já a Torá, livro sagrado dos Judeus, prega que somos conclamados a fazer caridade gentilmente com os pobres “que o teu Deus o abençoará” (Devarim 15:10). Para o Budismo, a pobreza não é elogiada ou encorajada. “Pobreza e dívidas são lamentáveis no mundo”(A.III.352).

Vejam que uma religião ascética como o Budismo, não privilegia os pobres como herdeiros de alegrias pós morte.

O Islamismo, por sua vez, requer que todo muçulmano financeiramente estável, pratique a caridade. É o Terceiro Pilar do Islã: caridade compulsória.
A Ciência, no entanto, não conseguiu extinguir com dois tipos de pobreza: a pobreza social, que nega para alguns as oportunidades disponíveis para outras pessoas; e a pobreza biológica, que coloca a vida em risco por falta de alimentos e abrigo. Fica claro que a dinâmica da história, da Revolução Científica, não está necessariamente voltada para o aprimoramento do bem-estar do homem.

Acredito que a Revolução Científica, tal qual a conhecemos  hoje em dia,  que teve início em 1500, na Península Ibérica com os descobrimentos marítimos, não foi uma revolução do conhecimento, mas uma revolução da ignorância. E a grande descoberta que deu início à Revolução Científica foi nos conscientizar que não tínhamos respostas para nossas perguntas mais importantes e angustiantes. A partir daí crescemos, pulamos etapas, aprendemos, pesquisamos, para finalmente entender que a ciência não tem dogmas. Nada tem que ser “engolido” sem qualquer explicação. Criamos modelos probabilísticos e similares que se tornaram primordiais no estudo da economia, da sociologia, da psicologia, da ciência política, social e da natureza. Dos mais de 7 bilhões de pessoas no mundo, quantas entendem realmente a mecânica quântica, a biologia celular ou a macroeconomia? No entanto, a ciência desfruta de um grande prestígio em virtude de novos poderes que concede a quem dela pode tirar proveito. Não há necessidade de entender de física nuclear para saber do que as bombas nucleares são capazes.

A Ciência, porém, é uma atividade muito cara, necessita de padrinhos ricos. São necessários laboratórios, tubos de ensaio, substâncias químicas, microscópios eletrônicos, assistentes, computadores de ultima geração, programas complexos, viagens distantes, datação de carbono, e outros equipamentos raros e caros. Ao longo dos últimos 500 anos, a ciência moderna pôde contar com a ajuda de governos, negociantes, fundações e doadores privados. A maioria dos estudos científicos é financiada por alguém que acredita que eles podem ajudar a alcançar objetivo político, econômico ou religioso.

Nos anos 1940, tanto os EUA quanto a antiga União Soviética, destinaram recursos consideráveis ao estudo da física nuclear, o que lhes permitiu obter armas nucleares arrasadoras. Em suma, a pesquisa científica floresce na medida em que é apadrinhada por uma ideologia ou religião. As ideologias superam as religiões, mas não podem ignorá-las. As ideologias justificam os custos das pesquisas, influenciam a agenda científica e determinam o que fazer com as descobertas.

As religiões, por sua vez, tentam empurrar para debaixo do tapete o que a ciência insiste em explicar, em prejuízo de suas doutrinas. Duas forças em particular merecem nossa  especial atenção neste novo século, para o entendimento  da ciência: o imperialismo e o capitalismo. O ciclo de retroalimentação entre ciência, império e capital foi o principal motor que alimentou a ciência nos últimos 5 séculos. A briga entre os impérios capitalista e comunista, e agora, entre os impérios dos EUA, da Rússia, da China, e em menor escala, porém tão importante quanto aos demais, o do Japão, é que vai alimentar a ciência, talvez até que nos tornemos amortais ainda neste primeiros cem anos do novo século. A ciência e o imperialismo estão casados graças à mentalidade da conquista, do conquistador. Nada diferente do que ocorreu no século XVI.

Mas agora, cinco séculos depois, podemos descobrir, tardiamente, que a Revolução Científica veio para destruir o planeta. Não o mundo, mas a vida na terra.


Bibiografia:

-Uma breve história da humanidade, Yuval N.Harari
-Biblia Sagrada, livro sagrado do Cristianismo
-A Torá, livro sagrado do Judaismo
-Tripitaka, livro sagrado do Budismo.
-Alcorão, o livro sagrado do Islã.
-A história dos Impérios Globais desde 1405,John Darwin.

Comentários