A armadilha da História

Por Jeferson Malaguti Soares

“A história é contada pelos vencedores”, frase atribuída a George Orwell, escritor, jornalista e ensaísta político inglês nascido na Índia Britânica em 1903, e morto de tuberculose aos 46 anos em Londres. Orwell demonstrou durante sua existência ser uma pessoa de grande consciência das injustiças sociais, opositor ferrenho de qualquer regime totalitarista, e de certa forma simpatizante do anarquismo. Mas, voltemos à frase que se acredita fora dita por ele: “a história é escrita pelos vencedores”. Avalio que nem sempre foi assim. Os perdedores do passado ressurgem de tempos em tempos e acrescentam novas e significativas informações a respeito das “derrotas” passadas. Foi assim na Rússia pós czarismo, na África do Sul pós apartheid , e até no Brasil, pós regimes conservadores, com a ascensão do PT ao poder, que infelizmente voltou a perder nas mãos da oligarquia que nos governa há mais de 500 anos.

Hamurabi foi Rei da Babilônia no século 18 antes de Cristo. Reinou de 1792 até sua morte em 1750 A.C. Conquistou a Suméria e a Acádia. Seu império dominou quase toda a Mesopotâmia. Criou um conjunto de leis escritas que foram chamadas de Código de Hamurabi, segundo ele, por inspiração dos Deuses da época. As punições pelo descumprimento das leis eram baseadas na gravidade das faltas e  recaía nas pessoas, de acordo com os dois gêneros e classes sociais, também definidas por ele quais sejam: os superiores, os comuns e os escravos. As punições mais severas eram feitas aos escravos e as menos severas aos superiores. Superiores eram os ricos proprietários de terras; os comuns pertenciam à camada intermediária da população, como funcionários públicos, por exemplo; e os escravos, que podiam ser comprados ou vendidos até que conseguissem comprar a própria liberdade. Exemplos de regras e punições de acordo com Código de Hamurabi:
-se um homem superior arrancar o olho de outro homem superior deverá ter seu olho arrancado;
-se ele arrancar o olho de um homem comum deverá pagar 60 siclos de prata;
-se um homem superior bater em uma mulher superior e a fizer abortar, deverá pagar 10 siclos de prata pelo feto;
-se ele bater em uma escrava e a fizer abortar deverá pagar 2 siclos de prata.

Vejam que desde quase 2000 anos antes de Cristo, a sociedade já era dividida em castas, classes sociais, e as leis também não eram iguais para todos. A justiça nem sempre era a verdade em ação já naquela época, como hoje também não o é.

Agora analisemos a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América que afirma o seguinte:
“Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, que são dotados por seu Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade, e a procura de felicidade”.
Se acreditarmos que é produto de nossa imaginação a divisão de pessoas em “superiores” e “comuns”, a idéia de que todos os humanos são iguais também não passa de uma fábula. Os humanos não são iguais do ponto de vista biológico. E muito menos foram “criados” segundo a biologia, e sim evoluíram. Igualmente, não existem “direitos” na biologia. Há apenas órgãos, habilidades e características. Assim, direitos inalienáveis deveriam, na verdade, ser traduzido como “características mutáveis”. Da mesma forma, na biologia nada é definido como busca da felicidade, mas sim do prazer. O prazer é biológico além de fisiológico.
Então, a principal frase da Declaração de Independência dos EUA ficaria assim, biologicamente: “Consideramos estas verdades evidentes por si mesmas, que todos os homens evoluíram de forma diferente, que nasceram com certas características mutáveis, que entre estas estão a vida e a procura do prazer”.

Lya Luft, escritora e literata brasileira, pergunta:
“Por que criamos almas subalternas se podíamos criar almas livres?” Entendo aqui, numa ousadia de minha parte, que por “alma” posso dizer “gente”, “pessoas”.
E explica Lya: “a pergunta pode parecer cínica tendo em vista a complexidade de nossas estruturas sociais e de oportunidades de desenvolvimento...é óbvio que não penso em luxo ou posição social, muito menos arrogância, atributo dos medíocres...autoestima é o que vem à mente....visão positiva, não cor-de-rosa ou irreal, significando confiança”.

Pois é , meus amigos e amigas, que me honram com a leitura deste artigo, escrevi todo este preâmbulo para lhes mostrar que nada mudou desde os mais longínquos tempos. A população continua sendo usada como massa de manobra. Os ricos e poderosos não pagam por seus pecados, apesar de pecarem mais, e com erros muito mais graves que o populacho. Às castas superiores não incomodam as dores dos pobres e oprimidos. O mundo desenvolveu a globalização da indiferença. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo rápido, que se pode usar e colocar fora quando se desejar. Criou-se uma economia de exclusão e desigualdade social.

Assim é que o mundo foi brindado com Donald Trump nos EUA e Jair Bolsonaro no Brasil, que trouxe com ele marginais conhecidos como Alexandre Frota, Kim Kataguiri, Onix, entre tantos outros, e fundamentalistas religiosos como Damares e Silas Malafaia. Tudo isto sem contar com sua família de salteadores, ele próprio um deles.

Mas, enfim, é o que estamos fazendo por merecer. Como adora copiar tudo que vem dos EUA, a direita brasileira continua com o discurso ultrapassado de combate ao socialismo, e ainda consegue que a mídia e fanáticos religiosos protestantes e outros ligados à Igreja Católica (Renovação Carismática), manipulem a massa ignara para os seus propósitos. Pior, tornou a 1/3 dos eleitores brasileiros, aqueles que votaram no bizarro Jair Messias Bolsonaro, tão ignorantes politicamente, que chegam a acreditar que Lula é bandido por estar preso e que Aécio Neves é inocente por estar solto.

Enfim, aos burros a alfafa.

No entanto, não nos esqueçamos que igualdade e liberdade são valores absolutamente contraditórios. A igualdade só pode ser assegurada se forem diminuídas as liberdades daqueles que estão em melhores condições, os grandes afortunados pela sorte, que a usam em detrimento dos menos favorecidos. Por isto a distribuição de renda, tentativa venturosa de Lula, foi o estopim para o golpe na democracia que nos assola. E o contra ataque dos ricos e poderosos veio arrasador, no desmonte das Leis Trabalhistas e da Previdência Social, pequenos bens que ainda pertenciam aos menos favorecidos.

Fica cada dia mais claro que a Justiça não é para todos, e que ela é cega, apenas para não ver os crimes que a Casa Grande comete contra a Senzala.

Bibliografia
-Sapiens-Uma breve história da humanidade, Yuval Noah Harari
-Armas,germes e aço:o destino das sociedades humans, Jared Diamond
-A asa esquerda do Anjo e Perdas&Ganho, Lya Luft
-Zen Socialismo, Cynara Manezes.

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